

Fernando Andrette
fernando@avmag.com.br
Que audiófilo, em sua intensa busca pelo sistema dos sonhos, já não cometeu o erro de ouvir um novo componente, ficar maravilhado nos primeiros dias e, depois, o encantamento ir decaindo, até voltar ao setup anterior?
Todos nós passamos por esses picos de euforia.
E sabe o principal motivo deste fenômeno sonoro?
Deixar-nos acreditar que o diferente significa melhorias no sistema, quando na verdade são apenas perspectivas distintas que nosso cérebro interpreta, e julgamos serem melhores, até nos certificarmos serem apenas leituras feitas por novos ângulos.
“Então como podemos nos blindar de cometer esses erros, Andrette?”
O primeiro passo se chama prudência: nunca agir por impulso e nem pelo ‘contágio coletivo’ dos amigos audiófilos.
O segundo passo é nos certificarmos do que buscamos, em termos de melhorias no sistema, e se temos Referência para fazê-lo.
E o terceiro passo, e o mais importante, é termos gravações seguras para avaliar se o novo componente trará realmente melhorias ao nosso setup.
O problema é que a maioria esmagadora dos audiófilos está sempre insatisfeito com seu sistema, e a todo momento deseja ‘pílulas mágicas’ que atendam muito além de nossas mais irreais expectativas, não é verdade?
Fico me perguntando, quando leio objetivistas com aquela arrogância peculiar de ‘senhores da razão’, dizerem que tudo não passa de ‘placebo’, se eles realmente jamais escutaram alguma diferença, ao menos para levantar a suspeita de que pode ser muito mais que apenas desejar que seja melhor…
E se o audiófilo consegue se empolgar com um componente novo que instala no seu sistema, e depois gradativamente ir perdendo a empolgação, até voltar ao componente anterior, não pode este audiófilo ter realmente notado diferenças reais?
Se, tanto no processo de ida (ouvir o novo componente no sistema), até o processo de volta (concluir que o novo não possui benefícios suficientes para substituir o atual), ele realmente não escutou diferenças?
Foi tudo apenas seu desejo de descobrir o melhor?
Eu não possuo essa pretensão de subestimar a capacidade do ser humano em aprender – pelo contrário, minha experiência com nossos leitores me mostrou que todos, com dedicação e humildade, somos capazes de aprimorar nossa Percepção Auditiva de forma consistente e com enorme eficácia, para realizarmos ajustes finos precisos dentro de nosso orçamento e desejos pessoais.
Por isso que insisto na afirmação de meu pai, que escutei desde a mais tenra idade: “Quer descobrir o nível de conhecimento de um audiófilo? Escute seu sistema”. Aí você realmente saberá diferenciar o que é apenas teoria do que é prática.
Vamos aos fatos, que todo audiófilo presencia em sua longa jornada:
Todos nós temos aquele amigo audiófilo ansioso, que ao instalar um novo componente no seu sistema, e se empolgar com o resultado, já passa a mandar mensagem para todos seus grupos, contando as maravilhas que o novo componente deu ao seu sistema.
Às vezes as mensagens são tão eufóricas, que fica difícil crer na descrição (principalmente se conhecemos o sistema da pessoa, e suas limitações).
Este é um erro clássico, pois todos os produtos novos necessitam de no mínimo algumas horas de amaciamento, para realmente levarmos em conta o que estamos ouvindo.
E os mais ansiosos, já tiram suas conclusões minutos após a instalação.
Levante a mão quem não conhece um audiófilo assim!
E aí, inicia-se o processo de ‘desconstrução’: primeiro as mensagens se tornam mais espaçadas, com horas de silêncio. A euforia inicial, dá lugar às primeiras dúvidas, como “mas será que não consigo um resultado melhor, gastando menos?”
Ou, “e se eu ouvir o modelo acima deste fabricante, não terei um resultado mais consistente?”
Depois do cérebro iniciar este processo, acredite meu amigo, não tem mais volta.
O próximo passo será criar as justificativas, para publicar no grupo o motivo de sua desistência de tal produto, o qual iniciou-se fantástico e como sendo a solução definitiva para o seu sistema – e que acabou se tornando ‘mais do mesmo’.
Percebem como os três erros que comentei acima, vão se concretizando, um a um?
E, creiam, isso ocorre na maioria das vezes (senão quase todas), pelo fato de se confundir Diferença com Melhoria.
“E como fugir desta armadilha, e nunca mais cometer este erro, Andrette?”
Sabendo justamente o que é apenas diferente do que é realmente melhor. E para isso existem algumas dicas que costumo alertar a todos os participantes dos nossos Cursos de Percepção Auditiva e Workshops.
O mais intrigante é que nosso cérebro se atenta muito mais instantaneamente ao diferente do que ao melhor.
E quanto menos Referência e conhecimento do que desejamos ajustar no nosso sistema temos, mais as diferenças irão sempre sobressair.
Costumo lembrar aos participantes de nossos cursos, que toda ação gera uma reação, quando mudamos componentes no setup.
Vamos aos exemplos que chamo de notórios. Imagine que você possua excelentes gravações de referência, e que essas sejam seu porto seguro para tomar decisões.
E você escuta um componente novo em seu sistema, em que aquele violão no canal direito se tornou mais evidente, com maior detalhamento na digitação, e que agora este chama muito mais sua atenção, como se fosse uma nova mixagem.
Claro que uma luz acenderá em seu cérebro, dizendo que este componente é melhor que o seu atual.
E aí eu refresco a memória dos participantes do Curso de Percepção, fazendo a seguinte pergunta: essa maior definição do violão no canal direito, causou alguma outra reação?
Houve alguma alteração na profundidade do palco, por exemplo?
A voz ao centro nesta gravação, perdeu um pouco de profundidade, se tornando mais bidimensional?
O que ocorreu com os instrumentos no canal esquerdo, ficaram mais dentro das caixas, ainda que também mais presentes?
Com esse fenômeno de perder o 3D, reduzindo auditivamente a profundidade, este componente soa apenas diferente e não melhor, compreende?
Agora, se todos os instrumentos – inclusive a voz – ganharam maior definição e o palco não foi alterado, este componente realmente trouxe uma melhoria ao sistema.
Veja como é simples avaliar corretamente as perdas e ganhos de qualquer upgrade, desde que tenhamos conhecimento do que queremos alcançar, gravações de boa qualidade e Referência auditiva, para seguramente termos certeza que não haverá ‘reações’ que anulem os benefícios.
Outro exemplo que mostro com bastante frequência aos participantes: o componente que torna o foco e recorte do acontecimento musical mais preciso, e faz com que nosso cérebro note imediatamente a melhora.
E novamente pergunto: alguma ‘reação’ com esse aumento de foco e recorte?
Se observarmos uma diminuição no corpo harmônico dos instrumentos desta gravação, para que tudo pareça mais bem focado, trata-se novamente de apenas uma diferença e não uma melhoria.
E, por último, o exemplo mais ‘clássico’ de todos: componentes que deixam os graves muito mais presentes e com maior energia e deslocamento de ar.
Quem gosta de rock pesado ou blues, funk ou jazz-rock, e não deseja um componente que faça este ‘milagre’ em nosso setup?
Esse ganho de graves não comprometeu o resto do equilíbrio tonal?
“Poxa, Andrette, ganhei o grave que sempre desejei, mas os agudos perderam arejamento, parece que tudo em cima ficou menos extenso e mais apertado. E também achei que sujou um pouco a região média, tirando um pouco da inteligibilidade.”
Novamente, se trata de um componente diferente e não melhor.
Acho que com esses três exemplos, mapeei os mais comuns que ocorrem quando ouvimos componentes em nossos sistemas e temos aquela empolgação inicial, seguida de uma frustração ao percebermos que se trata apenas de mudança de cadeiras no ambiente.
Os upgrades seguros, meu amigo, precisam ser cercados de paciência, tempo e audições dedicadas com gravações seguras, para evitar erros banais.
E sinto informar que, se o sistema como um todo já não estiver no mínimo correto, o índice de erro será próximo a 95%! Pois não haverá Referência para se tirar conclusões corretas, nunca!
Será o famoso ‘cobertor de pobre’, que na minha opinião é ainda mais temerário que apenas errar na troca do ‘mais do mesmo’.
Então, se queres um maior índice de acerto, faça a lição de casa para poder depois se dedicar ao ajuste fino, para extrair o sumo do sumo do sistema.
E posso garantir que não existe nada mais prazeroso que realizar esse objetivo, e poder todos os dias desfrutar de audições com um novo componente que acrescentou melhorias no que era necessário, sem perder todo o resto.
Quando chegamos lá, nosso cérebro se aquieta e simplesmente passamos a desfrutar da música e nada mais!
