

Christian Pruks
christian@avmag.com.br
Estou na Internet desde antes dela chegar ao Brasil – quando ainda trocava mensagens e acessava alguns conteúdos via BBS (Bulletin Board System), lá para os anos de 93 ou 94.
E o que se encontra, desde sempre, é mais ou menos o mesmo (em intensidades diferentes): ódio, arrogância (que pode ser burra também), eleição de ‘gurus’ (geralmente ruins), e busca constante de validação para toda e qualquer ideia pré-concebida.
Me perguntaram porque eu quase nunca falo nada em fóruns e grupos de discussão de áudio na Internet, e é porque o que eu tiver a dizer terá o mesmo peso que algo dito por pessoas cheias de preconceitos e vazias de conhecimento e experiência – e eu tenho 20 anos dedicados ao mercado de áudio, parte deles na revista, parte como consultor e prestador de serviços, e parte ligado ao desenvolvimento de equipamentos e acessórios para audiofilia.
Então me limito a ler – o que serve para eu me informar sobre vários assuntos, inclusive sobre como as pessoas pensam. Um dos frutos de navegar diariamente na rede é topar com as salas e sistemas completamente erradas e bizarras que abundam entre os inúmeros audiófilos mundo afora – e muitas das quais eu já mostrei, e expliquei porque estavam erradas, nas 8 edições da seção Jogo do Erros.
E até me perguntaram porque eu não fiz mais edições da mesma coluna, e é porque os erros existentes já estão todos lá, ilustrados e explicados – e os únicos outros que se comete, são: ter incrível resistência à Referência (que é o Treinamento principal dos ouvidos), e se recusar a seguir qualquer tipo de preceito de algo que sequer se pareça com uma metodologia (que é se ‘ter um norte’ sobre o que se está ouvindo e avaliando).
Ah! E, claro, ter espírito crítico!

Uma coisa que me deixa de cabelo em pé é a completa resistência que muitos audiófilos que vejo na Internet têm de querer aprender algo, de tentar, de se dedicar e ouvir, de aproveitar todos os métodos e ferramentas que estiverem à seu dispor.
Falo isso, claro, porque espera-se que o audiófilo tenha um apreço por ‘Performance’!
Vejam, se uma pessoa ‘gosta’ de carros pelo design, pela beleza, OK… Mas, se têm um relacionamento mais profundo com carros, um interesse em sua estabilidade e agilidade, no prazer de dirigir e sentir o carro reagir, na engenharia por trás, em sua durabilidade e confiabilidade, no som do motor, é claro que essa pessoa vai ler e estudar sobre carros – pelo puro prazer de conhecer seu hobby! Porque é um hobby que, quando aprofundado, é sobre o quê? ‘Performance’!
A mesma coisa se aplica à Audiofilia.
E, por que falar disso agora? Porque eu vi uma matéria na Internet que afirmava que audiófilos mais experientes ‘maltratam’ audiófilos novatos à procura de ajuda e aconselhamento.
Bom, primeiramente – como eu disse acima – audiófilos são como muitos outros seres humanos, e mais procuram validação para suas ideias do que realmente um aconselhamento. Quando alguém mais experiente fala que o amplificador ou caixas que a pessoa comprou não são bons, ou não tocam bem juntos, a pessoa leva hoje em dia sempre para o lado pessoal. Todo mundo quer um tapinha nas costas pelo que escolheu, comprou ou fez – mesmo se ela pudesse ter melhor Qualidade Sonora gastando menos do que gastou.
E aí, claro, entra a desculpa do ‘gosto pessoal’, entre outras.
O que eu mais vejo hoje? Gente que não quer aprender, não quer tentar, não quer experimentar e conhecer, e que fica ofendida com tudo – como se cada coisa que fazem, cada escolha de equipamento, fosse algo tão pessoal que não possa ser contradito.
E o pior de tudo é que se recusam a ouvir criticamente e perceber seus próprios sistemas e equipamentos! Qualquer sugestão de que devam melhorar seus ouvidos, estudar, dedicar-se, aprender, encontra quase sempre uma parede intransponível pela frente.
E, ao longo do tempo, compreendi que muitas pessoas acham que, se nasceram com ouvidos, já têm toda a capacidade e equipamento necessário para a compreensão e apreciação de tudo que é não só relacionado à música que gostam, como à tudo sobre música.
Não sabem que para ser um gourmet e chef de cozinha tem que estudar, preparar e lapidar seu paladar – educar e ajustar a interpretação pelo cérebro daquilo que as papilas gustativas e o nariz estão captando! Porque não existe ‘nascer sabendo’ nesse nível de apreciação.
Assim como não existe ‘ouvido de ouro’, e sim um ouvido treinado!
“Ah, mas eu só quero sentar e ouvir música”. Então por que assumiu a audiofilia como hobby? Bastava então comprar o melhor equipamento de som que seu orçamento permite, sentar e ouvir música.
Esse tal desse ‘maltrato’ do experiente para com o novato, também agrega vários mitos e lendas:
PREÇOS ALTOS
Diz-se que só é possível ter um som bom gastando muito dinheiro. E aqui vem a tal Lei dos Retornos Diminuídos, que diz que algo que custa o dobro do preço não toca o dobro – e nem o triplo, e nem o quádruplo… E é verdade! Só que muita gente interpreta isso como “não vou nem mais procurar o melhor que posso no meu orçamento, e nem passar a tentar sempre que puder, melhorar o que tenho”. Mesmo sendo aficionado por Performance!

E isso é incompreensível…
A maioria dos audiófilos é (de novo…) como o fã de carro que pode ter um carro econômico (o qual ele sempre procura tirar o que der, e melhorá-lo), mas vai no showroom ver as Ferraris e Lamborghinis – até porque, meu amigo, é muito legal admirar, curtir e ter a experiência e lidar com Ferraris e Lamborghinis, mesmo sem nunca podermos comprá-las. Eu mesmo até hoje me lembro que, quando ninguém estava olhando, meti o mãozão na lataria de um Rolls & Royce Corniche – só para dizer que, sim, já “pus minhas mãos em um Rolls”… hehehehe… Só porque é legal.
E, como nem todo mundo nasceu rico, eu e você ainda poderemos ganhar dinheiro nas nossas vidas e comprar uma Ferrari, uma Lamborghini, ou um Rolls & Royce Corniche.
Defender com unhas e dentes sua escolha na montagem de seu sistema de áudio não quer dizer que fez a melhor compra, ou que obteve algo que está em um nível que vale a pena – não quer dizer que sua escolha foi válida. Por isso sempre temos que estar em evolução.
E o caminho, meu amigo, nunca acaba – e essa é parte da graça da coisa!
“Então quer dizer que você não está satisfeito com o que tem?”
Olha, o que eu tenho hoje é o melhor que eu já tive até agora, e posso viver muito bem com meu sistema durante muito tempo. Mas, o mundo e a tecnologia evoluem e crescem e melhoram – e podemos crescer junto com eles.
POLARIZAÇÕES ETERNAS
Ah, essas são várias!
Como, por exemplo, ‘vinil vs digital’, ou ‘definição de CD vs hi-res’, e a ideia de que uma é superior à outra, e que “verdadeiros audiófilos sabem” qual é a boa.
Havendo um pouco de Referência musical, qualquer pessoa pode perceber que, como a gravação foi feita, é supremamente mais importante do que a mídia na qual ela está sendo reproduzida. E eu digo isso porque tenho algum conhecimento ou envolvimento com música, músicos e gravação há décadas.
Por exemplo, uma boa gravação adorada, que foi durante anos (e ainda é) usada para demonstração em feiras e showrooms, foi originalmente gravada em 16-bits/44.1kHz – ou seja, em Definição de CD – e é referência para muitos. E não é hi-res!
Isso para não falar das várias denúncias que já foram feitas ao longo dos anos sobre muito do conteúdo hi-res disponível atualmente só ser de ‘alta definição’ no nome (mas isso é assunto para outra matéria).

Não há tecnologia que irá te dizer se a música é bem gravada ou não.
Mais uma vez é preciso entender: somente os ouvidos sabem dizer, trabalhando em conjunto com educação e instrução.
Ah, e claro que existe também a patacoada que diz que audiófilos só gostam de aparelhos de som e não de música – e isso não poderia estar mais longe da verdade. A maioria dos que eu conheço gostam dos dois, e um complementa o outro.
Outra discussão longa, frequente e semi-infrutífera fala de ‘fones de ouvido vs caixas acústicas’, onde as caixas seriam superiores aos fones. E a minha opinião sobre isso tem duas partes:
1) Se você tem um orçamento baixo, ou se necessita de um setup de áudio que possa ouvir em maior isolamento ou com dificuldades de espaço, ter um fone de ouvido decente (com um amplificador apropriado) é uma ótima opção. Eu mesmo não curto usar fones de ouvido durante muito tempo, apesar de ter vários – mas se só tivesse isso para ouvir música, estava ótimo.
2) Levando no sentido mais estrito, o da Qualidade Sonora de alto nível, o efeito de palco, foco, ambiência, sensação física dos graves – e até um pouco o corpo harmônico – são inferiores em um fone de ouvido, em comparação com caixas acústicas. Então não considero fones como substitutos plenos de um par de caixas acústicas, não em áudio hi-end.
‘Especialistas’ dizem que nenhum dos dois é mais fiel à música que o outro – mas isso é uma patacoada: boas caixas são, na minha opinião, bastante mais fiéis ao acontecimento musical original.
Mais uma vez, a preocupação parece ser mais com os Experientes fazendo os Novatos sentirem que aquilo que compraram ‘não é bom o suficiente’ – e isso desencorajaria o Novato.
Aí fica a minha pergunta: e se realmente não for bom o suficiente o que tiverem escolhido e adquirido?
Por exemplo, e se gastaram um dinheiro em um fone de ouvido cujo som não é tão bom quanto outro que custa a mesma coisa ou um pouco mais? Ou se usam um fone de ouvido bastante bom sem um amplificador necessário para extrair o seu melhor, ou com um amplificador de baixa qualidade, subaproveitando o mesmo?
O certo aqui é dizer o que foi feito de errado? Ou dar validação que alguns procuram obter para suas decisões?
Eu mesmo nunca me senti desencorajado na minha jornada pelo áudio de alta qualidade sonora, porque sempre fui um viciado em fuçar e aprender – então o que as críticas sempre me fizeram é rever e checar o que eu estava fazendo.
MARCAS CONSUMER NÃO SÃO AUDIÓFILAS
Diz-se – mais uma vez, aparentemente, com o intuito de fazer o Novato se sentir inferior – que marcas de renome internacional no mercado consumer não são audiófilas, e não teriam espaço em sistemas sérios.
Essa é mais uma besteira, um grande desconhecimento do que existe no mercado hoje, e como toca. Marcas como Yamaha e Technics, assim como a Pioneer alguns anos atrás – entre várias outras – fazem e fizeram equipamentos de nível audiófilo.
O TAL ‘OUVIDO DE OURO’
Diz-se que Novatos se sentem inferiorizados porque Experientes ouvem coisas na música, nos sistemas, que eles não ouvem. Dizem que alguém que tem a percepção aguçada e treinada é esnobe com quem não a tem.
Já vi isso acontecer, mas a tal falta de educação ao passar isso para o Novato, não é tão frequente como imaginam.
Acho, porém, que espera-se que o audiófilo tenha esse treinamento como um dos alicerces para se estar nesse hobby.
Explico: é como você querer entrar para o hobby da cozinha gourmet, e não ter provado quase nada de ingredientes, preparos e temperos, e assim não ter treinado, educado suas sinapses para interpretar, analisar e entender os sentidos que a sua boca e nariz estão captando. Compreende?
Eu já falei antes que não acho que exista um ‘Ouvido de Ouro’ – pelo menos não de maneira congênita. E, sim, é algo acessível à todos, porém necessita de esforço e dedicação por parte do audiófilo, e o envolvimento desde a tenra infância com música de qualidade (leia-se música de instrumentos acústicos reais, ou familiaridade física e auditiva com os próprios instrumentos), ajuda muito.
Já vi muitos passarem a perceber detalhes e aspectos Qualitativos do áudio após um pouco de educação prática sobre o tema – como foram os Cursos de Percepção Auditiva ministrados pelo nosso editor, o Fernando Andrette, onde eu testemunhei várias pessoas passando a perceber e entender coisas que tinham dificuldade de discernir. E isso é educar as sinapses, educar o seu cérebro – e não tem nada a ver com o formato da sua orelha, e nem com ‘cada um ouve diferente’.
Já vi dita, na mídia especializada, a enorme asneira de que se você não percebeu uma diferença que outro audiófilo percebeu, é porque essa diferença é pequena demais para ser importante, ou é inexistente.
Essa é de doer de errada, e um péssimo serviço ao audiófilo o qual acaba não aprendendo e não evoluindo.
‘EXPECTATION BIAS’
Ou ‘Viés de Expectativa’ (em tradução semi-livre) é a tendência de um observador de interpretar ou perceber algo de forma a confirmar as suas próprias expectativas sobre o resultado, podendo levar a conclusões imprecisas ou distorcidas. A ideia é que, por exemplo, o audiófilo já tenha expectativas de que um equipamento caro, bonito ou de marca famosa, irá soar de alguma maneira, então sua observação seja regida por essa, e por outras, expectativas.
Ora, todo especialista em algo sofre pouco ou quase nada de Viés de Expectativa enquanto está observando, com atenção e foco, aquilo que foi treinado para observar. E um audiófilo experiente, assim como um profissional da área, ambos podem ter esse treinamento – assim como Novato pode.
Esse fenômeno do Viés, para acontecer, pressupõe que as pessoas não tenham treinado de maneira nenhuma para observar e entender, e que não tenham nenhum tipo de metodologia para fazê-lo – como, por exemplo, ter espírito crítico e atenção. Ou seja, o ‘Expectation Bias’ não vai comprometer uma observação informada, treinada e feita com um pouco de ordem e método.
Que outubro nos traga a todos uma melhor participação em nosso hobby!
Bombas (de chocolate), podem mandar no e-mail:
christian@avmag.com.br.