Playlists: UM QUESITO TÃO IMPORTANTE E TÃO POUCO APRIMORADO

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Fernando Andrette
fernando@avmag.com.br

Se existe um quesito pouco conhecido de nossa Metodologia, este é o quesito Textura.

Impressionante como os participantes dos nossos Cursos de Percepção Auditiva, têm dificuldade de assimilar o conceito e a importância deste quesito para uma reprodução digna de ser chamada de alta fidelidade.

E para os que não tem nenhuma familiaridade com instrumentos acústicos em apresentações ao vivo, não amplificadas, compreenderem a necessidade deste quesito para a identificação do instrumento que estão ouvindo, é ainda mais difícil.

Por isso que insisto na importância de termos Referências auditivas de instrumentos reais e não apenas conhecê-los através das gravações que gostamos.

E não existe melhor referência para descobrimos o timbre e a sonoridade dos instrumentos que ouvindo-os ao vivo e sem amplificação.

A primeira pergunta que faço a cada nova turma do Curso é: levante a mão quem frequenta a Sala São Paulo ou alguma sala de concerto em sua cidade.

E acreditem, o número de participantes que nunca pisaram em uma sala de concerto é grande.

Claro que as ‘desculpas’ são inúmeras: desde não haver salas de concerto em suas cidades, ou o velho álibi de que não gostam de música clássica, para deixarem de frequentar esses espaços.

Nenhuma dessas respostas é válida, pois se desejamos ampliar realmente nossa percepção auditiva, não existe outra maneira de fazê-lo do que ouvir instrumentos reais.

Em meus sessenta e sete anos, já vi centenas de audiófilos passarem ‘saia justa’, ao não reconhecer que instrumentos estão participando das gravações que apreciam.

E até mesmo cometer gafes, ‘dando palpite’ acerca das qualidades de um setup, citando um detalhe da gravação sobre um instrumento que não fez parte do acontecimento musical.

Vou dar um exemplo que ocorreu com uma turma do nosso Curso de Percepção Auditiva, em que na faixa Saudades do Brasil, do nosso disco Genuinamente Brasileiro Volume 2, um participante ao final da música que uso exatamente para mostrar o conceito de intencionalidade do quesito Textura, soltou a seguinte ‘pérola’: “Andrette, desculpe eu lhe fazer essa crítica, mas o violino desta faixa, está escuro nos agudos, falta extensão, ar nas altas frequências. Por isso não gosto desta faixa.”

E educadamente, lembrei-o que na faixa Saudades do Brasil, o trio é formado por: piano, viola e violão.

Acho que todo audiófilo no mínimo deve conseguir reconhecer um naipe de cordas e jamais ter dúvidas entre um violino e uma viola, e um cello e um contrabaixo.

Ou instrumentos de sopro como corne inglês, oboé, fagote, clarinete etc. Mesmo que em seu estilo musical, raramente esses instrumentos apareçam.

E muito menos entre violões usando cordas de aço ou nylon, e entre os saxofone barítono, alto, tenor e soprano (não estou querendo que todo audiófilo, reconheça os outros três: o sopranino, o baixo e o contrabaixo).

E procurar reconhecer utilizando o hipocampo (memória de longo prazo), as diferenças sutis entre os mais renomados pianos como: Yamaha, Bosendorfer, Steinway, Fazioli e Bechstein. Pois eles também soam diferentes!

Então resolvi iniciar essa série na seção Playlist, mostrando gravações para avaliação de Textura e espero que independente de sua ‘resistência’ em ouvir música clássica, se este for o seu caso, queira pelo menos ampliar sua percepção auditiva memorizando no hipocampo os timbres de inúmeros instrumentos e descobrindo intencionalidades, que a música clássica tem como nenhum outro estilo musical oferece.

E como sempre escrevo em meus testes, não conheço melhores gravações para avaliação de Texturas que quartetos de cordas.

E quando conseguimos gravações em que venham com o mesmo grau artístico e técnico instrumental, aí meu amigo, temos as referências perfeitas para avaliação de qualquer componente de áudio ou setup.

O Cuarteto Casals foi fundado em 1997, na Escuela Reina Sofia em Madri.

Desde então vem colecionando prêmios em grandes competições internacionais e gravações pelo selo francês Harmonia Mundi, que os levaram a turnês e apresentações nas melhores salas, como: Carnegie Hall, Cité de La Musique Paris, Viena, Munique, Tokio, Amsterdam e Suntory Hall.

Sua discografia apresenta um repertório que vai desde compositores espanhóis, até os clássicos como Mozart, Haydn, Beethoven, Schubert e Brahms, passando por nomes do século XX, como Ravel, Debussy, Bartók e Shostakovich.
E peguei justamente os dois álbuns recentemente lançados do compositor Russo, com sua obra completa para quarteto de cordas para iniciar essa nova playlist.

Obras aliás, gravadas por inúmeros virtuosos quartetos de cordas, então o leitor que gostar e quiser se aprofundar e conhecer outras interpretações, eu recomendo se aventurarem a ouvir também a gravação, pelo selo Decca, do Borodin Quartet ou do Emerson Quartet.

Shostakovich compôs ao longo de sua vida 15 obras para quartetos de cordas. E cada uma delas foi como um retrato fiel de suas emoções e situações existenciais que estava vivendo quando as compôs.

Assim como Beethoven, com suas sonatas para piano, que expõe tanto sua evolução como compositor e instrumentista, como seus mais sombrios pensamentos e emoções.

Poetas escrevem sobre si, pintores ilustram sua alma, e músicos transcrevem em sons suas emoções.

No Volume 1 do disco da Harmonia Mundi, temos os quartetos do 1 ao 5, e no Volume 2 temos do 6 ao 12.

OUÇA DMITRI SHOSTAKOVICH – COMPLETE STRING QUARTETS – VOL. 1 – CUARTETO CASALS, NO TIDAL.

Ficaram de fora os últimos três, que imagino devem sair em 2026.

Por motivos que desconheço, os quartetos que mais foram gravados e que tiveram maior aceitação são os de número 6 ao 12 – todos esses foram escritos no período de 1956 a 1968, fase em que os críticos dizem que Shostakovich estava em seu melhor momento como compositor.

O sexto foi lançado meses antes dele completar 40 anos, e o décimo segundo, sete anos antes de sua morte, aos 59 anos de idade.

Seus biógrafos afirmam ser esta sua melhor fase pelo fato de Stalin já ter falecido, permitindo a Shostakovich poder viajar novamente e produzir sua música sem a censura do Estado.

Ainda que no lançamento do sexto quarteto para cordas, ele ainda estivesse de luto pela morte de sua esposa, em 1954.

É possível ouvir sua angústia e sua esperança por dias mais alegres e otimistas.

Shostakovich utiliza o quarteto para traduzir em sons suas reflexões, dúvidas e esperanças. E o ouvinte precisa apenas se concentrar e se deixar levar pela inebriante teia sonora, que nos é oferecida.

Após o lançamento, em 1956, do sexto quarteto, o compositor se casou novamente, e essa união durou muito pouco. Ao seu término, ele escreveu o sétimo quarteto – e ele usa como tema para compô-lo o 50o. aniversário de sua primeira esposa, que foi seu grande amor.

E o ouvinte perceberá imediatamente sua tristeza e como ele não venceu seu luto, já no primeiro movimento deste quarteto. E que explode, no último movimento, expondo o ouvinte a seu precário estado emocional.

O oitavo quarteto, escrito quatro anos depois do sétimo, segundo sua filha, foi escrito para ele mesmo.

OUÇA DMITRI SHOSTAKOVICH – COMPLETE STRING QUARTETS – VOL. 2 – CUARTETO CASALS, NO TIDAL.

É o queridinho dos críticos musicais, e de grande parte do público que venera os quartetos desse compositor russo.
O primeiro movimento é de uma tristeza que Jung chamaria da ‘noite mais escura da alma’, tanto que seus amigos mais próximos descreveram que no período que ele compôs o oitavo quarteto, falava abertamente aos mais próximos que iria se matar.

O segundo movimento poderia ser descrito como um homem à beira de um colapso total, mas que não se entrega. E o terceiro movimento, ainda de enorme tristeza, é repleto de vontade de se manter vivo e altivo.

Finalmente Shostakovich, em 1962, encontra um momento de paz, com o seu novo casamento – quando um compositor mais leve e renovado faz inúmeras citações dentro do nono quarteto, de compositores que ele admirava, como Dvorak com o tema de abertura de sua Nona Sinfonia, um leve trecho da abertura da ópera Guilherme Tell de Rossini, e até uma canção infantil de Berg.

É um lado que não estava à tona nos quartetos anteriores, e artisticamente a escrita exige virtuosidade absoluta dos músicos para traduzir o que o compositor desejou expressar.

Este nono quarteto navega por momentos calmos e de enorme fúria, e poucos conjuntos conseguem passar por este desafio musical incólumes. E o Cuarteto Casals o faz com absoluta competência.

Meu intuito, ao contar esses detalhes a vocês, é o desejo de despertar a vontade de ouvir esses dois discos.

E se tiverem o interesse e a disposição de avaliar o quesito Textura de seus sistemas, não imagino gravações mais completas para fazê-lo.

Ouçam os dois violinos em sistemas com excelente Equilíbrio Tonal, a espinha dorsal para uma excelente apresentação de Texturas. Aí será possível ouvirem as sutis diferenças de ‘tonalidade’ dos dois violinos, em contraste com a viola que possui um corpo levemente maior que os dois violinos, e o cello do músico Arnau Realp, que possui uma riqueza harmônica e um grau de intencionalidade emocionante.

Shostakovich, ao compor esses quartetos para cordas, desde o primeiro escrito com apenas 29 anos de idade, intencionalmente imaginou músicos virtuosos para executá-los.

Pois sua complexidade e genialidade não deixam espaço para nenhuma improvisação.

O Cuarteto Casals não só está à altura do desafio, como junto com os engenheiros de gravação, nos presentearam com dois discos maravilhosos.

São as duas melhores gravações do ano para avaliação de texturas, sem dúvida alguma.

Espero que seu sistema passe na prova!

Cuarteto Casals

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