

Fernando Andrette
fernando@avmag.com.br

CLARA SVERNER – TWELVE WALTZES (AZUL MUSIC, 2025)
Nossos leitores lembrarão que já indiquei aqui nesta seção as gravações de Clara Sverner tocando Chopin, Villa Lobos, Mozart e Chiquinha Gonzaga.
E sempre deixei claro minha profunda admiração por essa pianista, com sólida formação erudita e um amor intenso pelos compositores brasileiros.
Nascida em São Paulo em 29 de agosto de 1936, Clara Sverner desde cedo mostrou um enorme talento, levando-a a ser aluna do renomado professor José Kliass, que foi aluno de Martin Krause, um dos mais brilhantes alunos de Liszt.
Após seus estudos em Berlim, fez mestrado com Louis Hildebrand, no Conservatório de Genéve, iniciando sua sólida
carreira profissional, o que a levou a Nova York e, mais tarde, ainda na fase final de sua adolescência, a ser premiada no Concurso Internacional Wilhelm Backhaus.
Eu conheci Clara Sverner ao comprar seu primeiro disco pelo selo Eldorado, em duo com o saudoso saxofonista Paulo Moura, em que ambos exploraram o repertório de Pixinguinha, Almeida Prado, Gilberto Mendes e outros compositores brasileiros.
Clara Sverner, também apresentou às novas gerações a obra completa da pianista Chiquinha Gonzaga.
Em sua discografia, além de todas as obras acima citadas, tem uma gravação muito rara em que ela gravou compositores pouco conhecidos como: Anton Webern, Alban Berg e Eric Satie – uma gravação de 1974.
Também gravou dois discos em parceria com o pianista João Carlos de Assis Brasil.
No total são mais de 25 discos, abrangendo um repertório musical que vai muito além do erudito.
Ainda em plena forma em 2020, devido a pandemia ela se dedicou a organizar os seus manuscritos de poemas e contos, e publicou seu primeiro ebook, onde reúne 26 poemas que foram escritos entre 1982 e 2020, intitulado – Reminiscências que homenageia compositores como: Chopin, Schubert, Debussy e Beethoven.
Em 2021, voltou aos palcos com a peça Chopin ou o Tormento do Ideal ao lado de sua grande amiga, a atriz Nathalia Timberg. E em 2022, finalmente retorna às gravações para nos brindar com seu segundo e-book Interiores, escrito logo após completar 80 anos!
E agora, nos presenteia com este belíssimo trabalho Twelve Waltzes, tão profundo e singelo.
Um disco para nos reconectar à nossa alma, e aos nossos valores mais dignos.
Para momentos de tanta fúria e insanidade, é muito bom termos a possibilidade de nos salvaguardar dessa toxicidade, nas mãos de uma Clara Sverner.
Apague as luzes, desligue seu segundo cérebro – o celular – sente-se confortavelmente em sua cadeira preferida, e ouça na íntegra as 12 valsas, garanto que você sairá reestabelecido para enfrentar o turbilhão de incertezas que te espera lá fora.

ANDRÉ MEHMARI – PLAYS SATIE (MONTEVERDI, 2025)
E já que você mergulhou nas águas profundas e serenas do disco da Clara Sverner, te convido a manter sua mente serena e seu coração tranquilo, ouvindo na sequência o novo trabalho do querido amigo André Mehmari, feito a convite do pesquisador francês Jean-Michel Guesdon, que sugeriu este projeto para piano solo, e também sugeriu o repertório.
São obras do compositor Erik Satie, para comemorar o centenário de sua morte, neste ano.
Guesdon conheceu Mehmari quando este estava excursionando pela França, e ficou impressionado com sua genialidade, vendo nele o pianista ideal para realizar sua visão sobre a obra de Satie – que, para Guedon, muitas vezes foi interpretada de maneira muito acadêmica, tirando parte do gosto ‘colorido’ das obras do compositor francês.
O objetivo, segundo o pesquisador, é oferecer aos apaixonados por Erik Satie, leituras mais inventivas que iluminem aspectos pouco abordados da obra deste compositor.
Assim nasceu uma nova interpretação de clássicos famosos, como Gymnopedie, uma das mais famosas e gravadas obras de Satie. Junto com obras pouco conhecidas ou registradas, como Sarabande.
São 15 faixas que nos permitem apreciar a genialidade de Satie por uma nova perspectiva, recapturando as intencionalidades do compositor, como se fossemos testemunhas oculares do momento em que ele as estava criando.
Acho que tanto Guesdon como Mehmari, prestaram uma homenagem linda e impactante ao centenário de morte do compositor.
Uma vez, uma namorada me perguntou a razão de gostar tanto de Erik Satie, e minha resposta deve ter sido o estopim para o término da relação duas semanas após essa conversa, rs: “Pelas suas longas pausas entre as notas”, pois elas nos dão tempo de refletir a vida.

YO-YO MA – SHOSTAKOVICH THE CELLO CONCERTOS – BOSTON SYMPHONY – ANDRIS NELSONS (DEUTSCHE GRAMMOPHON, 2025)
Acho que a maioria de vocês que me acompanham, sabem o quanto eu amo este instrumento – violoncelo – e o quanto foi frustrante aos 11 anos saber que não iria poder ter um para iniciar minha iniciação musical, pois o valor mesmo para adquirir um de segunda mão, estava fora da realidade familiar.
Então a mim restou amar o instrumento, e ouvir todas as grandes obras que foram produzidas para ele.
E entre as que mais aprecio, estão os dois concertos de Shostakovich, ambos escritos para o virtuoso celista Mstislav Rostropovich, que foi o primeiro a gravar o Primeiro Concerto em 1960, sob a regência de Eugene Ormandy com a Orquestra Sinfônica da Filadélfia.
Tirando o compositor clássico Tchaikovsky, que meu pai amava, nenhum dos outros compositores russos fez parte de sua coleção de discos. Assim sendo, só vim a conhecer os dois concertos para cello de Shostakovich nos anos 80.
E foi como uma locomotiva passar a milímetros do meu corpo em alta velocidade!
Tenho umas quatro gravações desses dois concertos, mas ouvir a versão agora lançada pelo Yo-Yo Ma, foi um verdadeiro divisor de águas.
Acho que existem obras complexas, que necessitam que o ouvinte esteja devidamente preparado, para entender sua plenitude.
Quem aprecia as obras deste compositor russo, sabe da complexidade que os fortíssimos podem atingir, dificultando muito o trabalho dos engenheiros de gravação em manter o foco e inteligibilidade dos solistas em primeiro plano.
E no caso desses dois concertos, em alguns momentos isso é uma tarefa quase que impossível. Tanto que em todas as minhas gravações de referência desses dois concertos, sempre me peguei perguntando que diabos de ‘pegadinha’ o compositor colocou para os solistas, pois nos fortíssimos alguns momentos soam como instrumentos batidos em um liquidificador.
Então, meu amigo, imagine a felicidade em ouvir esses dois concertos tocados de maneira virtuosa pelo Yo-Yo Ma, em seu excelente instrumento – o Stradivarius Davidov, de 1712 – e eximiamente bem gravado.
É um deleite para o corpo e alma, acreditem!
E ambas as gravações estão em todas as plataformas e também em mídias físicas como CD e LP.
Se você deseja ter uma versão definitiva e referencial desses dois concertos, e ainda por cima deseja colocar seu sistema à prova, eis a grande chance do ano.
Não vejo até o momento nenhuma outra gravação que permita tirar conclusões consistentes se todo o seu investimento e upgrades foram ou não na direção correta.
Desejo sucesso a todos que toparem o desafio!
E se quiserem compartilhar os resultados, estarei por aqui, mas é olhando para os céus em busca de respostas do enigmático cometa 3I/ATLAS, trabalhando e ouvindo música e não olhando para a loucura presente aqui na Terra.