

Fernando Andrette
fernando@avmag.com.br
Quantas vezes você já ouviu ou leu essa frase em uma discussão audiófila?
Ela é quase que um mantra, para os que defendem que não existe certo ou errado em um sistema de áudio.
Então trago à mesa de discussão novamente este tema, pois acho que existe uma confusão na maneira como entendemos essa questão.
Costumo lembrar aos participantes dos nossos Cursos de Percepção Auditiva, que é preciso ter em mente a existência de uma diferença significativa entre perceber e interpretar.
Pois se a Percepção consiste no processo de receber e organizar qualquer tipo de estímulo sensorial captado, a Interpretação é o ato de atribuir significado às informações justamente percebidas.
E existe muita confusão entre percepção e interpretação.
O processo de percepção só é possível através dos sentidos, pois eles organizam e selecionam os dados recebidos e os agrupam de forma a ter um sentido pleno daquele estímulo recebido.
Aí resultando no que a neurociência denomina como Impressões Sensoriais.
Já o processo de interpretação é a etapa subsequente, ao qual damos significado a essas impressões recebidas. E a intensidade das interpretações dependerá integralmente da qualidade percebida daquele evento.
Só então construímos a compreensão daquela informação.
O que nos leva à dedução lógica de que uma percepção superficial de um estímulo recebido, fatalmente resultará em uma interpretação também pobre e rasa.
Ou seja, se queremos ter uma melhor qualidade no processo de interpretar o mundo, necessitamos obrigatoriamente de ampliar nossa capacidade de perceber o mundo.
E o que nos impede de fazermos este processo conscientemente?
Nosso grau de automação sensorial.
Achamos que nossos sentidos estão aptos o suficiente para perceber o mundo à nossa volta de maneira plena e satisfatória. E muitos passarão toda sua existência acreditando que assim é!
Mais de 1500 leitores participaram do ciclo completo do nosso Curso de Percepção Auditiva, e o que a mim foi mais gratificante ao final de cada turma, foi receber o depoimento de centenas de participantes, afirmando que o curso os fez primeiramente entender a diferença que existe entre uma audição focada de uma audição automática.
E segundo, observar o que precisamos perceber dentro de cada um dos quesitos de nossa Metodologia, para poder ajustar seus sistemas. O que coloca por terra, a afirmação de que, como cada um escuta de uma maneira, é impossível todos perceberem o mesmo problema.
Pois se todos souberem o que necessita ser observado, para as devidas correções que forem necessárias, todos irão perceber o problema.
Fizemos isso coletivamente, com todas as turmas, independente do grau de percepção auditiva de cada um ali presente.
Fazendo-os focarem no que precisava ser percebido.
Quando damos à nossa percepção auditiva um único ponto a ser focado, e mostramos a ele uma referência do que devemos avaliar, todos irão chegar ao mesmo resultado.
Vou dar um exemplo em que todos os participantes ficavam estarrecidos com a diferença entre o certo e errado.
Tenho uma gravação que ganhei de presente, em que um instrumento foi gravado em uma quadra de basquete – é um solo de bateria.
Usava essa gravação nos cursos para avaliação de ambiência e macrodinâmica.
E no curso eu a mostrava em três sistemas distintos: um categoria Prata, um Ouro e um Diamante (na época nenhum equipamento ou sistema testado havia passado de 80 pontos).
E, ao mostrar a gravação no sistema Prata, minha pergunta era: qual o tamanho da sala de gravação em que estava essa bateria? E, dinamicamente, as variações no solo eram intensas ou comedidas?
A resposta, no sistema Prata, era sempre que se tratava de uma sala de gravação modesta, não muito grande e nem tão pequena, e o baterista estava sendo cuidadoso na variação dinâmica do solo.
Quando ouviam no sistema Ouro, a percepção já era diferente: tratava-se de uma sala de gravação grande e o baterista estava mais solto e animado nas variações dinâmicas no seu solo.
E no sistema Diamante, todos perceberam que talvez não se tratasse de uma sala e sim de um ambiente muito grande, e tivesse uma variação dinâmica muito maior.
Quando usamos exemplos corretos e temos uma referência para abalizar o que precisamos perceber, não existe espaço para interpretações dúbias.
Por isso insisto tanto, com todos vocês, que as diferenças auditivas existentes não podem extrapolar e ser argumento dos que defendem que no áudio não existe o certo ou errado. Pois na prática, isso não se sustenta.
Pois mesmo o quesito da Metodologia mais complicado, que é o equilíbrio tonal, consigo com os exemplos corretos mostrar o que é certo e o que é errado.
Para que todos tenham referências corretas, mostramos por exemplo como a última oitava da mão direita do pianista em um sistema com agudos errados, irá soar brilhante, estridente, como ‘som de vidro’, como se aquele piano não tivesse feltro nos martelos.
E depois mostramos essa mesma faixa – em um sistema correto – como não existe som de vidro, e como um piano corretamente gravado possui enorme conforto auditivo.
Ou uma faixa com um solo de vibrafone, em que será ainda mais crítico ouvir esse instrumento em um sistema com erro no equilíbrio tonal.
E posso afirmar que todos conseguem perceber e gravar em sua memória de longo prazo, o certo e errado dessas faixas de referência.
E ao término de cada turma, faço questão de lembrá-los que a partir daquele momento, sua percepção auditiva foi ampliada, educada e se tornou uma bússola pessoal.
Isso lhe permitirá ter maior autonomia de escolhas e realizar ‘interpretações’ que definirão seus futuros upgrades de maneira mais consciente.
E que sem a ampliação de sua percepção auditiva, sua ‘interpretação’ do que é certo ou errado em termos de escolhas, continuará precária e fadada a muitos equívocos, frustrações e gastos desnecessários.
Vale ou não investir em aprimorar sua percepção auditiva?
Essa é uma pergunta que todos deveriam fazer antes de abraçarem esse hobby!