Opinião: NÃO CONFUNDA AGRADABILIDADE COM MUSICALIDADE – parte 4

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Fernando Andrette
fernando@avmag.com.br

Lembro-me com detalhes das expressões de surpresa que os participantes da nossa primeira turma do Curso de Percepção Auditiva fizeram, ao abrir a explicação do nosso oitavo quesito – musicalidade – dizendo do erro de se “confundir agradabilidade com Musicalidade”.

A reação foi tão coletiva e instantânea, que me passaram a sensação de que eu estava lhes lembrando de algo que nunca haviam pensado.

E iniciei a descrição do quesito Musicalidade dizendo a todos que, tornar a reprodução de um flautim mais agradável não o transformará em mais musical. Ou a oitava mais alta de um vibrafone em fortíssimo, menos tensa.

E, no entanto, vejo que a maioria esmagadora de audiófilos, ao justificar suas escolhas, usam o ‘álibi’ de deixar seu sistema mais agradável aos seus ouvidos, como mais ‘musical’.

E esse não se trata de um erro apenas de audiófilos, pois muitos revisores e fabricantes de equipamentos de áudio, também o fazem.

E onde está o erro?

Em apenas utilizar seu sistema auditivo ou medições, e não seu cérebro devidamente referenciado com instrumentos reais, para não confundir agradabilidade com Musicalidade.

E aí explico a razão de Musicalidade ser o quesito que fecha nossa Metodologia, pois ele é literalmente a soma de todos os outros sete. Um equipamento que deseja ser considerado hi-end, não pode ter um equilíbrio tonal errado, palco sonoro bidimensional, texturas pobres, transientes imprecisos, dinâmica limitada ou corpo harmônico diminuto.

Um sistema com limitações nos quesitos pode até ser ‘agradável’ aos seus ouvidos não referenciados, mas jamais será a um cérebro que possui memória de longo prazo de instrumentos reais não amplificados.

Um naipe de metais com surdina, ouvido à distância dos microfones, jamais soará ‘agradável’, porém se impecavelmente afinado e bem executado, será extremamente Musical, tenha absoluta certeza dessa verdade!

O mesmo posso dizer referente a um sax soprano tocado a um metro de distância, que pode ser pouco agradável em termos de timbre e ainda assim ser muito musical.

Em inúmeras das minhas consultorias, já me deparei com a seguinte situação: a esposa se incomoda com a região alta do sistema. E todos nós sabemos o quanto as mulheres são exigentes e sensíveis com os agudos.

E muitas vezes elas estão corretas, e já presenciei situações em que a esposa deixou de ouvir o sistema por achar que ele é muito pouco ‘musical’, ainda que o marido ache o contrário.

São situações como essas que levam a tão distorcidas conclusões, de que ‘cada um escuta de uma maneira’, então não pode existir o certo e o errado.

O que esses ‘simplistas’ esquecem é que o único objetivo de um sistema de ‘alta fidelidade’ é reproduzir eletronicamente a música que apreciamos, de maneira que equilíbrio tonal, timbre, ritmo, andamento e dinâmica se apresentem convincentemente, e que nosso cérebro os reconheça, intérprete e se manifeste.

E um dos elementos primordiais na interpretação da música em nosso cérebro está sob responsabilidade do cerebelo. E descobriu-se, no final do século passado, que o cerebelo tem fortes ativações quando estamos ouvindo música, e se torna inerte quando ouvimos ruídos.

E mais: o cerebelo se ativa totalmente quando ouvimos uma música que gostamos muito, e menos, quando se trata de uma música desconhecida.

Aí temos a pergunta que não pode ser jogada para debaixo do tapete: e se desequilíbrio tonal (agudos excessivamente errados e brilhantes), ao chegar no cerebelo for ‘interpretado’ como parte música e parte ruído?

Ou outra questão importante: se ouvirmos apenas em nosso sistema músicas que adoramos, não poderíamos interpretar nosso sistema como sendo mais agradável do que verdadeiramente é aos ouvidos de outros que não gostam tanto de nossas músicas?

Colocando em pauta essas novas questões, temos certamente um quadro muito mais complexo para ser avaliado e entendido, você não acha?

Avancemos um pouco mais nas descobertas mais recentes, do ato de ouvir música, e veremos que temos muito mais perguntas ainda a serem respondidas.

O ato de ouvir música provoca uma ativação primeiro em nosso sistema auditivo e depois nas regiões cerebrais em cascata. Iniciando no córtex auditivo, passando pelas regiões frontais, onde se inicia o foco de atenção, até atingir o sistema mesolímbico que é responsável pelos estímulos de prazer e pela produção de dopamina.

Em todo este processo, que leva uma fração de segundo, o cerebelo e os gânglios basais são responsáveis por entender o ritmo e a métrica musical.

A música também mobiliza algumas das mesmas áreas neurais da linguagem, porém muito mais complexas. Pois envolve simultaneamente regiões cerebrais mais antigas do cérebro humano, como partes mais novas, como os lobos frontais.

Quando ouvimos uma música que nos emociona, ela nos faz lembrar de acontecimentos importantes de nossas vidas, além de nos remeter a outras músicas o que, segundo a neurociência, ativa traços mnemônicos – memorização de dados e informações, cujo objetivo principal é fixar conceitos complexos por meio de uso de símbolos falados ou não, para de maneira simples memorizar fatos mais complicados.

E essa fixação mnemônica se aloja no hipocampo (memória de longo prazo).

E aí podemos levantar uma terceira questão: quando ouvimos uma música que nos ‘emociona’, somos capazes de separar a música do sistema em que ela está sendo reproduzida?

Ou usamos essa reação emotiva, para escolher nossos sistemas?

São perguntas fundamentais, e que deveriam ser colocadas em pauta por todos que querem ver a evolução deste hobby.

O que sempre digo aos participantes dos nossos Cursos é que, se desejamos chegar a um sistema seguramente bem ajustado, devemos separar racionalmente a música que iremos ouvir em nosso sistema, das referências musicais corretas que devemos usar para definir nosso setup.

E as gravações que devemos usar, certamente terão que ser de excelente qualidade técnica e com ‘desafios’ definidos para essa avaliação.

Eis o motivo de termos na avaliação de qualquer produto enviado para a revista, 10 faixas sobre cada um dos oito quesitos da nossa Metodologia. E as notas são fechadas apenas após a audição do produto, em nosso Sistema de Referência, de todas as 80 faixas.

Dá trabalho? Enorme, meu amigo, você não tem ideia do tempo e paciência que precisamos ter para ouvir as mesmas faixas 240 vezes por edição (já que são em média três testes por mês).

E dessas 80 faixas, 24 faixas são gravações feitas pela revista, para termos uma maior margem de segurança e certeza da nota final de cada produto avaliado.

O que percebo esses anos todos, é que os leitores que conseguiram melhor resultado no ajuste fino de seus setups, foram aqueles que entenderam a Metodologia corretamente, a utilizam de maneira prática e separam seu gosto musical pessoal das gravações de Referência, para a avaliação e realização de cada novo upgrade.

E sempre realizaram todas as lições de casa, como ampliar sua percepção musical com audições de música ao vivo não amplificada, fazer o tratamento acústico e elétrico e, acima de tudo, trabalharam sua ansiedade e impulsividade para não meterem os pés pelas mãos.

Esses leitores estão se multiplicando, e isso é essencial para o hobby, pois esse bem difundido, vai servindo de exemplo para um amigo, e depois para outro amigo…

E quanto mais sistemas corretos existirem, mais chance quem está iniciando a jornada terá de errar menos.

O que desejo, com o encerramento desta série de artigos sobre os quesitos da Metodologia, é incutir em cada um de vocês, que confiar apenas na nossa audição, não é garantia de nada. É preciso treinar e referenciar nossa memória auditiva sempre!

Pois quanto mais referências de instrumentos reais tivermos armazenadas em nosso cérebro, mais chance teremos de saber se estamos na direção correta ou não.

E se eu consegui incutir na cabeça de cada um de vocês que soar agradável não é garantia de correção, me darei por satisfeito.

Pois não se pode definir musicalidade pela alteração ou amenização do timbre de um instrumento que nos desagrada, e tão pouco um equipamento receber o selo de alta fidelidade se ele não reproduz corretamente algum instrumento.

Pense sobre essa questão, meu amigo.

Pois ela pode ser muito útil em toda a sua trajetória audiófila!

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