

Christian Pruks
christian@avmag.com.br
Equipamentos Vintage que fazem parte da história do Áudio
O termo Vintage tem a ver com ‘qualidade’, mais do que ‘ser antigo’. Vem do francês ‘vendange’, safra, sobre uma safra de um vinho que resultou excepcional. ‘Vintage’ quer dizer algo de qualidade excepcional – apesar de ser muito usado para designar apenas algo antigo.
Nesta série de artigos abordamos equipamentos vintage importantes, e que influenciam audiófilos até hoje!
MADE IN JAPAN
As empresas de áudio ‘consumer’ japonesas ganharam tanto dinheiro tomando o mundo – e pondo pelo menos um aparelho de som por casa na Via Láctea inteira – nas décadas de 70 e 80, que acabaram não só por desenvolver produtos muito especiais, em tiragem limitada (proposital ou não), como também tiveram uma longa série de ideias de tecnologias fenomenais em áudio.
E essa revolução não foi só no áudio nível ‘consumer’ – e outros um pouco acima – mas também na área de áudio profissional, para estúdio de gravação e de masterização.
E, desde sempre, houveram equipamentos desses que migraram dos estúdios para a sala de som de alguns poucos privilegiados audiófilos. O PCM-F1 foi um deles.
O GRAVADOR DIGITAL SONY PCM-F1
Quando a audiofilia efetivamente aconteceu, na virada da década de 50 para 60 – fruto da alta-fidelidade sonora dos LPs (mesmo de alguns gravados em Mono) e, principalmente, do surgimento do Estéreo – uma das principais tecnologias que migraram do áudio profissional para os sistemas top audiófilos, foram os gravadores de rolo estéreo, que até então eram usados para gravação de discos.

E era estéreo porque ainda não havia gravação em multi-pista nessa época, então quem usava vários microfones tinha que mixar em tempo real para os dois canais do gravador de fita master. Haviam alguns gravadores de três canais da Ampex, que facilitavam a criação de uma imagem estéreo ao inserir um canal central, que era também mixado em tempo real.
A proliferação dos gravadores de rolo, que incluiu a comercialização de fitas pré-gravadas originais pelas gravadoras, e também a popularização (e diminuição de preço) dos aparelhos reprodutores de fitas de rolo, só foi desbancada no uso doméstico pela chegada dos bons gravadores de fita cassete.
Mas o que isso tem a ver com o Sony PCM-F1? Bom, ele foi um gravador de áudio digital criado para gravações profissionais registradas direto para dois canais (estéreo) – como é bem comum em música clássica e em pequenos grupos acústicos.
E, principalmente, o F1 era usado como master digital estéreo, após mixagem e masterização – e a transcrição para prensagem de discos era feita direto do F1 (e, pouco tempo depois, também do PCM-1630). Inclusive, existem inúmeros discos conhecidos da década de 80 – tanto em vinil quanto em CD – cuja master era a partir de um dos gravadores PCM da Sony.
Tenho vários vinis desses, que soam excelentes mesmo para um vinil, rs! E conheci numerosos CDs cuja prensagem inicial na década de 80 – mesmo prensados no Brasil – tiveram como master uma fita do gravador PCM, e são surpreendentemente bons!
Acontece que, por seu preço, o F1 foi o mais difundido: US$1.900 em 1982 (o equivalente a US$6.400 em valores de hoje). E, por isso, muitos audiófilos acabaram comprando um e integrando a seus sistemas, obtendo uma qualidade muito superior a qualquer cassete, e mais interessante que a maioria dos gravadores de rolo analógicos da mesma época – cujos bons exemplares estavam relegados, então, praticamente só ao uso profissional.
A verdade é que o PCM-F1 é apenas o conversor ADC / DAC, precisando de um local para armazenamento da informação digital – e, claro, para a reprodução dessa mesma informação digital. É preciso lembrar-se que, no começo da década de 80, os poucos computadores não tinham armazenamento para esse nível e quantidade de informação digital – e não haviam discos óticos que pudessem fazer isso, ainda.
O destino seria a mídia magnética – porém cassetes eram muito pouco, e fitas de rolo precisariam de muito, e de alta capacidade de dados, e com um controle de velocidade que os rolos não tinham. Qual a solução? Armazenar as gravações na faixa de vídeo de uma fita de videocassete! E, claro, o F1 faz esse registro de maneira proprietária, fazendo alterações no formato do sinal, para que o mesmo possa ser gravado e depois reproduzido com apenas um ‘play’ na fita de vídeo, com um desses conversores da Sony fazendo a conversão do sinal para o analógico.
A Sony vendia o F1 com uma unidade de gravação de fita Betamax – mas ele funcionava com VHS, Betamax e até mesmo foi muito usado com fitas de vídeo do formato profissional U-matic. Devido ao nível de qualidade e estabilidade da VHS ser inferior, os outros dois formatos eram mais recomendados – e eram os usados profissionalmente.
Como esse formato de gravação PCM foi criado no final da década de 70, ele carregava algumas idiossincrasias anteriores à criação do CD, onde os primeiros modelos e protótipos eram 13-bit em vez de 16, ou tinham a opção de gravar em 14-bit ou 16-bit, ou mesmo eram ostensivamente 16-bit mas gravavam apenas em 14-bit, usando os outros 2-bit para um sistema de correção de erros.
Outra idiossincrasia era ter uma frequência de amostragem de 44.056kHz quando usando gravador com vídeo padrão NTSC (60Hz), e 44.1kHz quando usando gravador padrão PAL (50Hz), algo forçado devido à diferença inerente aos dois padrões de vídeo – e que dava uma diferença ínfima de velocidade (e outros problemas) quando se convertia de um para outro.
E também os gravadores PCM usavam uma pré-ênfase nas altas frequências durante a gravação, a qual precisou ser levada em conta quando, anos depois, esse material teve que ser transferido para outros formatos digitais.
Aliás, o F1 não tem saída digital para fazer essa transferência – somente entradas e saídas analógicas. O primeiro conversor PCM com saída S/PDIF RCA, foi o Sony PCM-601ESD, da segunda metade da década de 80, alguns anos depois. E, mesmo assim, preocupações dentro de estúdios, com a pré-ênfase e a diferença de amostragem, eram constantes (e muitas vezes foram ignoradas, resultando em uma transcrição com menor qualidade sonora).
MODELOS SEMELHANTES
O primeiro gravador PCM comercializado da Sony foi o modelo PCM-1, desenvolvido em 1977, que gravava em fita Betamax, era 13-bit/44.056kHz (NTSC, Japão), e tinha como alvo um mercado especializado audiófilo.

Na sequência, em 79, veio o PCM-1600, especificamente para uso profissional, gravando em fita U-matic.
Em 81 foi lançado o PCM-F1, mais barato e acessível por ser produzido em escala industrial e ser um modelo portátil, agradando profissionais e audiófilos – e que podia gravar em 14 ou em 16-bit selecionável, e era 44.056kHz em países com vídeo NTSC (como Japão e EUA), e 44.1kHz na Europa, onde o sistema de vídeo era PAL. Aqui vale mencionar o Nakamichi DMP-100, uma versão modificada do PCM-F1, de acordo com padrões requisitados pela Nakamichi.

E, finalmente, em 1982, chegou o PCM-1630, o standard profissional durante muitos anos para a gravação e transcrição de fitas master digitais para a prensagem de discos, especialmente para CD.

Esses são os modelos principais – os melhores. Mas existiram outros, como os 501, 601 e 710, também da Sony, além de modelos da Technics, JVC, Sharp, Sansui e Hitachi, todos com intuito de uso doméstico.


Todos foram tornados obsoletos pela chegada da fita digital DAT – tanto no mercado profissional, quanto no doméstico (no qual, na verdade, nunca pegou).
COMO TOCA O PCM-F1
Eu costumo dizer que os CDs prensados nas décadas de 80 e 90 são, se ouvidos em aparelhos atuais, excelentes! O problema que fazia os discos prateados tocarem mal eram os CD-Players feitos até uns 15 ou 20 anos atrás, que soavam ardidos, duros e artificiais.
E esses CDs do começo eram quase todos fabricados a partir de master em gravadores PCM Sony. Então isso, para mim, já é o suficiente como ‘estirpe’ sonora.
Mas, a mídia audiófila especializada, em 1981, também elogiou bastante o PCM-F1 em sua qualidade sonora, ambiência, detalhamento, transientes, etc. É um formato que só deixou de existir por pura obsolescência.
SOBRE A SONY
A gigante criadora de tecnologias Sony, todo mundo sabe quem é. Além de ter co-criado o CD – junto com a Philips – entre várias outras tecnologias da história do áudio mundial, a Sony teve enorme presença nos vários níveis do mercado de áudio consumer, especialmente durante as décadas de 70 e 80.
E ela continua por aí! Porém, hoje, sua presença é maior na área de fones de ouvido.
Bom novembro – e não deixem a música parar!