

Christian Pruks
christian@avmag.com.br
Equipamentos Vintage que fazem parte da história do Áudio
O termo Vintage tem a ver com ‘qualidade’, mais do que ‘ser antigo’. Vem do francês ‘vendange’, safra, sobre uma safra de um vinho que resultou excepcional. ‘Vintage’ quer dizer algo de qualidade excepcional – apesar de ser muito usado para designar apenas algo antigo.
Nesta série de artigos abordamos equipamentos vintage importantes, e que influenciam audiófilos até hoje!
MADE IN JAPAN
As empresas de áudio ‘consumer’ japonesas ganharam tanto dinheiro tomando o mundo – e pondo pelo menos um aparelho de som por casa na Via Láctea inteira – nas décadas de 70 e 80, que acabaram não só por desenvolver produtos muito especiais, em tiragem limitada (proposital ou não), como também tiveram uma longa série de ideias de tecnologias fenomenais em áudio (ainda que algumas bastante mal implementadas).
Entre elas, claro, o Super Audio CD, o MiniDisc, a fita DAT – e, antes desses todos, o ELCASET! E o que essas têm em comum? O envolvimento, maior ou menor, da Sony, e a pouca duração no mercado (por um motivo ou por outro).
E, no caso aqui do ELCASET, a Panasonic e a Teac foram as associadas da gigante japonesa.
Assim como o formato de vídeo Betamax da Sony era melhor que seus concorrentes, o Super Audio CD também tinha suas vantagens (tanto que a tecnologia base, o DSD, é utilizada plenamente hoje em estúdios de gravação), e formatos como o DAT e o MiniDisc eram no mínimo bastante funcionais e decentes. Os motivos para a vida breve e fim rápido do ELCASET também não foram por causa nem de sua qualidade como produto, nem de sua qualidade sonora.
OS GRAVADORES E AS FITAS ELCASET
A Sony, Panasonic e Teac se juntaram, em 1976, para projetar, fabricar e comercializar um novo formato de fita cassete, o ELCASET – que significa “L-cassette” ou “Large Cassette”, já que é quase o dobro do tamanho da fita cassete normal, mas ainda menor que a fita magnética da RCA (leia mais adiante). E o projeto do ELCASET, claro, incluiu os gravadores reprodutores.
O raciocínio foi: a fita cassete normal nossa conhecida era limitada em qualidade sonora, inferior à fita de rolo – porém essa última é pouco prática para a maioria das pessoas que procuram qualidade. E tinham razão… Só que a hora foi errada.
A criação do ELCASET deu continuidade à uma ideia da empresa americana RCA, de 1958: o RCA Sound Tape Cartridge. E que, aliás, não foi a única invenção que queria fazer a mesma coisa: por a fita magnética de gravação dentro de um invólucro que permitisse portabilidade, o fácil manuseio e armazenamento – mas foi a mais ‘bem sucedida’ de sua era, durando até meados da década de 60! E por ‘bem sucedida’, leia-se: ‘não deu certo por quase 7 anos’, pois a RCA foi lenta em lançar aparelhos para uso caseiro, e pouco ou nada licenciou de conteúdo pré-gravado – além do alto custo, e de seu começo ser em mono mesmo com seu lançamento ter sido no ano seguinte do LP estéreo. Não conquistou, portanto, nem o mercado profissional, nem o caseiro, nem o audiófilo.
Curiosamente, o ELCASET também não foi barato nem em gravadores nem em fitas, tinha oferta limitada, pouco ou nada foi feito de acordos para o lançamento de fitas pré-gravadas, e as três empresas juntas não conseguiram olhar para fora e perceber que fita cassete comum de Cromo já estava ficando disponível, e que empresas como a Nakamichi já haviam lançado gravadores de cassete que superariam os problemas que o ELCASET procurava superar, como a baixa qualidade sonora e o alto ruído. A Nakamichi também, eu considero, foi responsável por uma ‘popularização’ maior da fita cassete como mídia de alta qualidade sonora, já que a cada ano seus decks ficavam mais acessíveis e mais modernos – e muitas empresas de renome japonesas seguiram essa deixa, inclusive a própria Teac!
O ELCASET durou, então, menos ainda que a fita da RCA, entrando no mercado em 1976, e saindo entre 79 e meados de 1980 – quando os últimos audiófilos migraram para os excelentes decks de cassete da Nakamichi, e com fitas Cromo e até Metal!
Apesar de tudo, o ELCASET em matéria de qualidade é boa ideia: um invólucro de plástico (como o cassete usual) com fita magnética quase igual a das fitas de rolo, com a mesma largura ¼ de polegada mas com espessura menor para poder caber dentro do invólucro, onde ficava protegida e só é ‘manuseada’ pelo mecânica do aparelho, que usava duplos-capstans para precisão de velocidade e tensão da fita, com menor flutuação de velocidade, e cabeças de gravação e reprodução separadas, semelhantes às usadas em gravadores de rolo. Essa configuração de ‘3 cabeças’ ainda não era algo muito comum em tape-decks cassete em 1976.
A velocidade da fita também era a ‘comum’ do gravador de rolo de uso ‘consumer’: 3-3⁄4 de polegada por segundo (também o dobro do cassete normal), e a fita de ¼ de polegada tinha a configuração semelhante a do rolo de 4 pistas, ou seja, gravação e reprodução estéreo dos dois lados, com duração usual de 30 minutos por lado.
A resposta de frequência típica de um gravador ELCASET era de 25Hz à 22kHz, superior ao cassete normal em 1976, mas que logo seria igualada por um algum bom deck Nakamichi gravando fita Cromo ou Metal, assim como decks top de outras marcas.
Em 1978, o preço de um dos melhores decks ELCASET, o Teac AL-700, era – em valores corrigidos para 2025 – superior à US$2.500!
MODELOS SEMELHANTES
Que eu saiba, e até onde consegui apurar, apenas 7 modelos de aparelhos gravadores e reprodutores de ELCASET foram feitos: Sony EL-7, EL-5 e EL-D8 (o portátil), Technics (Panasonic) RS-7500, Teac AL-700, o Wega E-4950 (que é um Sony EL-7), e o JVC LD-777 (mais raro que presente de Natal para adulto).
Mas, antes do ELCASET, tivemos o RCA Sound Tape Cartridge, de 1958 – o precursor com a ideia certa porém mal implementada e na hora errada (o que parece ser algo recorrente na indústria), e fruto da completa lerdeza que a RCA conseguiu ter como corporação.
Na sequência do ELCASET, tivemos a melhora substancial da fita cassete normal, tanto em suas formulações químicas e construção que possibilitaram melhor resposta de frequência e melhor qualidade sonora, como – e especialmente – dos próprios decks cassete. Estes dominaram a mídia caseira regravável e portátil até uma boa parte da década de 90 – mesmo com as tentativas do DAT da Sony e do DCC da Philips, ambos mídias magnéticas portáteis de pequeno tamanho, mas já ambas sendo digitais.
O DAT não pegou porque a indústria fonográfica achava que uma pessoa dentro da própria casa não poderia ter a possibilidade de gravar com a mesma qualidade de um CD, e o mundo desmoronaria e deixaria de existir pela ‘pirataria’ de música (acho que eles nem imaginaram o que viria à seguir…rs!).
E o DCC da Philips? Bom, esse vale um artigo só dele – e é mais interessante do que muitos pensam.
E depois disso tudo? Veio o MP3 e o streaming!
COMO GRAVA / TOCA O ELCASET
Se juntar esse dobro da largura da fita, com esse dobro da velocidade, com um transporte dedicado bem bolado e um bom circuito (mesmo para os padrões atuais), a receita parece ser obviamente boa. Por princípio técnico é melhor que o cassete de então, em faixa dinâmica, resposta de frequência e menor ruído de fundo, entre outros.
Já vi dito que a performance do ELCASET é semelhante à de um gravador de rolo como o Revox A77 – o que eu considero uma afirmativa ousada e corajosa, mesmo com o A77 gravando em 3¾ de polegada, pois ele era um dos melhores rolos em matéria de custo/benefício, bastante superior à maioria dos rolos da época, sendo ‘quase profissional’ e sendo até usado (com poucas modificações) na gravação de discos audiófilos.
Se o ELCASET chegava a 90% disso, já era realmente um feito sonoro e tanto! Porém, os depoimentos que eu consegui obter, das poucas pessoas que conheceram o som do ELCASET (eu mesmo só ‘vi’ um aparelho e meti o dedão nos botões), todas foram unânimes em dizer que a gravação era sensacional – uma sensação de que se estava ouvindo um gravador de rolo decente.
E, considerando que poucos cassetes normais da Nakamichi, e ainda menos de outras marcas, conseguiram passar até hoje esse tipo de ‘sensação sônica’, eu diria que o ELCASET poderia ter sido algo digno de nota para audiófilos e até uso profissional. Mas, durou pouco, e hoje é objeto de colecionadores e de museus.
SOBRE A SONY, PANASONIC & TEAC
São três empresas ainda hoje ativas e bastante conhecidas, tanto do áudio especializado quanto do de consumo.
A Sony já teve uma presença bem grande no áudio, mas hoje está voltada mais para fones de ouvido e, em outras áreas: semicondutores, videogames, cinema, TV, música, computadores e telecomunicações.
A Panasonic, antes conhecida pelo nome de Matsushita, compreende a marca National (bastante conhecida dos brasileiros ‘antigos’), e a marca de áudio hi-end Technics (hoje toca-discos, amplificadores, streamer, fones e caixas acústicas) – e é uma gigante que hoje inclui marcas como a JVC e a Sanyo, e fabrica desde televisores, telefones, eletrodomésticos, computadores e câmeras digitais, até pilhas e baterias.
E, por fim, a Teac continua tendo alguma presença no áudio, tanto com a própria marca Teac como com a marca especializada Esoteric. Além disso, a corporação também produz equipamentos para pro-áudio com a marca Tascam, e possui uma divisão voltada para o projeto e produção de periféricos e peças para armazenamento e leitura óptica – como unidades ópticas para todos os tipos de aparelhos de CD e DVD.
Bom agosto – e não deixem a música parar!