Influência Vintage: CAIXAS ACÚSTICAS PLANARES BES -BERTAGNI ELECTROACOUSTIC SYSTEMS

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Christian Pruks
christian@avmag.com.br

Equipamentos Vintage que fazem parte da história do Áudio

O termo Vintage tem a ver com ‘qualidade’, mais do que ‘ser antigo’. Vem do francês ‘vendange’, safra, sobre uma safra de um vinho que resultou excepcional. ‘Vintage’ quer dizer algo de qualidade excepcional – apesar de ser muito usado para designar apenas algo antigo.

Nesta série de artigos abordamos equipamentos vintage importantes, e que influenciam audiófilos até hoje!

MADE IN ARGENTINA? ‘USA’? ‘BRAZIL’?

Faz tempo que quero falar das curiosas caixas planares BES. Lembrava-me de histórias, mitos e lendas, sobre a empresa, e seu dono e projetista – mas pouca coisa é menos documentada na área de áudio do que a trajetória da Bertagni Electroacoustic Systems, então este artigo foi o mais longo ‘garimpo’ já feito para esta seção.

O engenheiro argentino Dr. Juan José Bertagni – muitas vezes grafado como J.J. Bertagni – desenvolveu e patenteou seu tipo de caixa acústica planar em 1970, na Argentina, não só fabricando-as com sua marca, como fabricando-as para outras empresas, como Fisher, Philips e, acreditem, a brasileira Gradiente, também por volta de 1970 ou 71.

Bertagni deixou a Argentina em 1976, descontente com a situação política e econômica do país, depois abrindo a BES – Bertagni Electroacoustic Systems – nos Estados Unidos, deslanchando a marca internacionalmente. As BES foram, também, fabricadas e vendidas no Brasil, na década de 80.

Na prolificamente pouco informativa Internet, há, inclusive, teorias da conspiração sobre Bertagni, de que supostamente sua tecnologia era tão inovadora para caixas acústicas, que outros fabricantes foram atrás de ‘eliminar a concorrência’, perseguindo-o e, inclusive, eliminando da Internet, dos dispositivos de busca, referências a seu trabalho e à sua história. Há, também, os que dizem que houve perseguição política e que foi isso levou-o a deixar o país.

Mas acho isso tudo um pouco ‘romântico-trágico’ demais.

O fato é que a tecnologia ainda existe, e é hoje chamada de DML – Distributed Mode Loudspeaker – onde o diafragma da caixa não é um cone ou domo, e sim paineis planos, onde a vibração é distribuída por sobre essa grande área por um ou mais conjuntos magnéticos-elétricos com bobinas móveis muito parecidos com os usados em alto-falantes normais, ou mesmo piezos-elétricos, e que eram chamados de ‘exciters’ (excitadores). Essa grande área de diafragma, originalmente feita de um tipo específico de isopor, com uma densidade, resistência e revestimento especiais, prometia grande dispersão e campo sonoro.

AS CAIXAS ACÚSTICAS BES

Todas as caixas acústicas da linha da BES, são caixas planares – ou seja, painéis planos que são dipolos por definição (tocam para trás e para frente) – precisando estarem afastadas das paredes à sua traseira, para darem os melhores resultados, quando utilizadas sobre pés ou cavaletes, em pé. Seus painéis eram do isopor especial, e seus excitadores eram de bobina móvel.

BES SM-300

Curiosamente, esse tipo de caixa foi muito vendida para ser um objeto de decoração pendurado na parede como um quadro – daí já virem, no começo, com motivos artísticos impressos em suas telas de tecido.
Um dos maiores modelos da BES, como a SM-300, custava em 1982 US$1.280 – o equivalente à US$4.200 em valores atuais.

Modelo inicial da BES americana

MODELOS SEMELHANTES

Em tempos como as décadas de 70 e 80, várias empresas fizeram modelos de caixas planares com esse tipo de tecnologia, como os Sound Panel da Fisher e da Philips, e os raríssimos Planos Sonoros da conhecida brasileira Gradiente.

Eu mesmo só vi uma vez um par de Planos Sonoros Gradiente, alguns anos atrás, e estava estragado esperando manutenção (o usual: descolamento dos excitadores) – mas não existe a menor dúvida de que eram feitos pela Bertagni na Argentina, pois por trás eram absolutamente idênticos aos Fisher e aos Philips.

JJ Bertagni Planos Sonoros

A japonesa Yamaha foi a primeira a requerer uma patente de diafragma plano para alto-falante, em 1966, sendo que seu primeiro alto-falante – JA-6002 – tem um diafragma de um tipo especial de plástico, e equipou caixas da linha Yamaha Ears, como a NS-30.

Yamaha Ears NS-30

Sua arquitetura é bastante semelhante ao que depois foi usado nas BES e variações: uma estrutura onde há um travamento traseiro do conjunto magnético do excitador, mantendo-o rígido em relação à moldura em volta do diafragma – e assim, este é o único que se move, vibrando ao tocar. E, olhem, desde então até hoje, já se tentou todo tipo de coisa nessa arquitetura: não travar o conjunto magnético, não travar o diafragma, fazer diafragma redondo ou com bordas arredondadas para melhor dissipar as vibrações etc. e tal – e aparentemente sem muito progresso.

A Integraphon foi a primeira marca da empresa J.J. Bertagni, na Argentina, que fazia não só os Planos Sonoros, como também sistemas com amplificação e toca-discos de vinil. Essa marca evoluiu para se tornar a BES. O visual dos Planos Integraphon – e a época quando foram feitos – combinam perfeitamente com os paineis Fisher, Philips e Gradiente.

Fisher
Plano Sonoro Gradiente

Houve também uma Era Acoustics Poly-Planar P-20 – uma das várias empresas fazendo esse tipo de caixas. A americana Era Acoustics tem o nome suspeitamente parecido com o de uma associação da área de eletrônicos – a ERA Electronics Representatives Association – que tem um requerimento de patente, do final da década de 60, relativo a diafragma de alto-falantes, e que é listado junto com os pedidos de patente do próprio J.J. Bertagni. E, com a mesma cara e nome Poly-Planar, havia a também americana Magitran.

Poly-Planar P-20

A empresa NXT, que me parece ser inglesa, é hoje a maior fabricante e licenciadora da tecnologia de diafragmas tipo painel plano usando excitadores. Com essa alcunha e tecnologia, várias marcas conhecidas lançaram produtos, como a KEF (bookshelf modelo Kit 100) e a Mission (satélites com subwoofer modelo M-Cube), que usam falantes feitos com paineis planos NXT, porém dentro de gabinetes e mesclados com drivers normais.

KEF Kit 100
Mission M-Cube

A chinesa Dayton, conhecida pela fabricação de alto-falantes e insumos diversos para caixas acústicas, são os principais fornecedores atuais dos ‘excitadores’ – ou, como alguns são chamados por eles: transdutores tácteis. Acho que a diferença entre seus modelos de excitadores está na dedicação mais para os graves ou para os agudos, e pela potência e capacidade de ‘excitar’ planos de tamanhos diferentes.

Com os Dayton – e excitadores de outras marcas – muita gente na Internet já tentou fazer esse tipo de caixa planar usando acrílico, vidro, MDF, HDF, vários tipos e espessuras de madeira, vários tipos de plásticos sendo alguns com estrutura em colméia, paineis de forro de teto, paineis de drywall… E esses são apenas as tentativas mais sérias, que procuram fazer com que esses diafragmas toquem na maioria das frequências, e com qualidade. Acho que as tentativas amadoras – a maioria frustradas – devem ter levado os experimentadores até a tentarem colar os excitadores em goiabada (cascão, claro) ou gelatina! rs!

Extensas buscas na Internet também trouxeram a massa “Bertagni com recheio de ricota e espinafre”, o que me deixou curioso por razões adversas, já que neste instante são 11:42 da manhã, e vem da cozinha aquele aroma de almoço.

COMO TOCAM AS CAIXAS BES

A resposta de frequência das BES mostram problemas de extensão nos dois extremos – porém os graves acho que eram os mais prejudicados. Ouvi, na década de 80, dois pares diferentes da marca, sendo um ‘full-range’ comparativamente pequeno, que não dava nem graves e nem agudos.

O segundo par que ouvi, foi o modelo maior, com aproximadamente 1.3 metro de altura, que era de duas vias – ou seja, havia um diafragma retangular menor, com seu próprio excitador, para os agudos. Estas tinham agudos decentes, médios bonitos, e graves em quantidade razoável se você, mas mantivesse em um volume mediano (e provavelmente com o controle tonal ativado). Ao sentar-se para ouvi-las, já fui alertado “não aumente o volume, porque elas não aguentam muito”.

O som tinha o palco largo, e a dispersão estranha das caixas planas – sem muita extensão ou ar em cima, e com grave faltando definição, recorte, e que não descia muito e nem tinha grande deslocamento de ar – mesmo esse modelo maior, não tinha uma resposta de graves que se comparasse a um par de caixas normais até menores que elas.

A hora que você consegue fazer movimentar todo esse diafragma de graves, o som racha pois ele não é de ‘livre’ movimento, sendo travado nos quatro lados. E o fato é que a cola que une o excitador ao diafragma vai secando com o tempo, rachando com a vibração, e soltando – e o reparo desse contato da bobina do excitador com a superfície de isopor, é um bocado complicado de ser refeito, de ser consertado, sendo esse um dos motivos da escassez desse tipo de caixas hoje no mercado de usados, em pleno funcionamento.

Outro problema comum a caixas tipo planar, é não haver um ponto central focal para emissão dos agudos, o que prejudica direcionalidade e, portanto, foco, recorte e planos do palco – e por isso, também, alguns modelos de BES (e de Yamaha) que vi em fotos, têm um tweeter normal em um dos cantos, fora do painel.

Ou seja, esse tipo de design acabou sendo, ao longo dos anos, visto por suas múltiplas ineficiências – e, pela escassez dele no mercado, pode-se ver que essas ineficiências não foram realmente superadas. Pelo menos não para uso audiófilo.

SOBRE A BERTAGNI ELECTROACOUSTIC SYSTEMS

Como disse antes, a trajetória da BES é uma das menos documentadas na Internet – ficando a maioria dos fatos expostos sujeitos à dúvida.

Diz a ‘lenda’ – portanto – que o engenheiro eletrônico argentino Dr. Juan José Bertagni, professor da Universidade de Buenos Aires, ligado também ao mundo do rádio e TV de seu país, começou a fabricar alguns equipamentos de som, como 2-em-1, da marca Integraphon (‘by J.J. Bertagni’) e, por volta de 1970 lançou suas primeiras caixas planares dessa arquitetura.

E, ou licenciou a tecnologia, ou simplesmente fabricou caixas desse tipo para várias empresas, entre elas a Fisher, a gigante Philips, e – sim, acreditem – a brasileira Gradiente (que ficaram muito pouco tempo em linha e são consideradas quase ‘mitológicas’).

Em 1976, ele teria ido embora da Argentina para os EUA, devido ao sucateamento da indústria nacional argentina promovido pelo governo militar. E, dos EUA, continuou fabricando suas caixas, e licenciando tecnologia (pois tinha as patentes).

Da seção ‘Mitos & Lendas’ vem a informação de que as patentes da Bertagni teriam ido parar nas mãos da NXT, que continua licenciando a versão mais recente da tecnologia DML – entre outras tecnologias de falantes, como a BMR (Balance Mode Radiator), bastante usada hoje em tweeters e médios e, parece-me, mais bem sucedida que a DML.

Outra versão da história da NXT diz que a tecnologia DML nasceu de uma ideia em um laboratório britânico de pesquisa militar, gerando uma patente em 1991. Coincidentemente, uma ideia absurdamente semelhante foi patenteada na década de 70 por J.J. Bertagni (!), e também em parte patenteada e fabricada pela Yamaha no final da década de 60(!).

Dessa patente militar nasceu a NXT – New Transducers Ltd., subsidiária da Verity Group, à época fabricante das caixas Mission e Wharfedale, entre outras.

Quanto à BES, após o falecimento do Dr. Juan José Bertagni, em 1992, seus filhos deram continuidade à empresa, então rebatizada de Sound Advance Systems, e que foi adquirida em 2005 pela Sonance, hoje uma empresa que se dedica mais a instalações de áudio profissional, inclusive no âmbito marítimo.

Bom julho – e não deixem a música parar!

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