

Christian Pruks
christian@avmag.com.br
Uma nova seção mensal só sobre Toca-Discos de Vinil
O brasileiro conhece a empresa de toca-discos inglesa Garrard primeiro porque a Gradiente começou importando seus toca-discos para o Brasil no início da década de 70, quando começou a pegar mercado aqui com aparelhos de som modulares (receivers, amplificadores, toca-discos e caixas acústicas – e depois tape-decks cassete).
E a própria Gradiente acabou por comprar a empresa em 1979, inclusive mudando a produção para o Brasil.
O que o brasileiro lembra, infelizmente, são dos modelos simples, barulhentos e ruins de som que a Gradiente fez e comercializou no Brasil – inclusive sendo versões emagrecidas e mais fracas (e mais baratas) de um tipo de projeto que a empresa fazia lá fora, nas décadas de 60 e 70, que não eram tão ruins: entre meu avô, meu pai e eu, foram pelo menos uns 10 modelos diferentes de Garrards, ao longo dos anos, e apenas dois deles sendo da ‘era’ Gradiente.
De qualquer maneira, poucas pessoas lembram ou sabem que a Garrard, muito antigamente, fez alguns modelos de toca-discos que fariam frente (como máquina) à muito toca-discos hi-end de hoje em dia.
Eu sempre falo o quanto muita da tecnologia de um toca-discos de vinil, pouco mudou desde a entrada da era do estéreo, no final da década de 50. Ou seja, com a manutenção correta, vários toca-discos antigos (incluindo da década de 50), principalmente os de uso profissional, os chamados de “broadcast” (ou “Transcriptors”), usados por rádios, com uma base bem feita e um braço moderno, são fenomenais!
Um desses casos – e é um caso sério! – é o Garrard 301 Transcription Turntable, feito de 1954 até 1964 (ou 65 segundo alguns), que se tornou o toca-discos de uso da BBC, no Reino Unido – e, depois, de inúmeras rádios mundo afora, nas décadas de 50 e 60.
A estrutura da máquina, da mecânica do 301, é feita de uma chapa de metal grosso, concebida para encaixar no tampo da mesa de som, da mesa de trabalho de uma emissora de rádio, sempre usando um braço externo – e do tipo longo, já que rádios tocavam desde os 7 polegadas até os raros discos de 16 polegadas, e tem que ter disponível 33, 45 e 78 rotações, como o 301 tem.
O sistema de tração magnífico do 301 é o mesmo tipo que equipou muitos toca-discos na década de 60 e 70: tração por polia – o chamado “Rim-Drive” ou “Idler-Drive” – que é um dos mais antigos existentes, onde uma grande polia com borda de borracha é acionada por um forte motor (um AC de 1740RPM no caso do 301): o motor encosta na polia, e a polia encosta em uma borda interna ou externa do prato, transferindo essa rotação.
É uma tração que, quando bem implementada, é de alto torque, com a polia constantemente impulsionando o prato. Esse torque é tão forte que, em um 301, você pode pôr uma panela grande, cheia de água, em cima do prato, acionar o botão, e não só a rotação será mantida, como em um par de voltas – em 78RPM – o prato arremessa a panela de água para fora. E, antes que alguém pergunte: sim, eu e um amigo que estava restaurando um 301 bege, já fizemos esse teste – e estou rindo até agora! E ele teve que limpar a água que foi para todo lado…
O que é preciso entender sobre o 301, é que Tanques de Guerra militares são sensíveis e frágeis perto desse toca-discos – e depois do fim da humanidade, as baratas se extinguirão milênios depois, olhando para um 301, brilhando, na prateleira. Para destruir um 301, é preciso muita raiva, muito tempo e muita dedicação. Me lembrei de um cachorro grande que meu pai teve, que me mordeu durante uma brincadeira e eu, por reflexo, dei-lhe um tapa forte, ao lado, no peito – e além do barulho ter sido forte como um tambor vazio, o cachorro não se moveu um milímetro, e ficou me olhando achando que ainda era parte da brincadeira. Esse cachorro poderia se chamar ‘301’…rs!
Se a tração por polia não for muito bem implementada, com mecânica e base muito sólidas, e um prato bastante grosso e pesado com um bom rolamento, ela faz mais vibração e barulho que ladrão de panelas no meio da madrugada, mais barulho até que embalagem de bolo sendo aberta… rs…
Os únicos toca-discos que eu me lembro, que são bons e silenciosos e que usam essa tração, são os Garrard 301 e 401 (que tem praticamente a mesma mecânica e foi fabricado até 1976), e alguns modelos da célebre Lenco. Existem outros, também de Broadcast, como o Russco, o Gates e o QRK – mas que são mais difíceis de achar e mais difíceis de restaurar para padrões audiófilos.
Então a tração por polia já era? Na verdade não, por três motivos: existe toda uma comunidade de adoradores e reformadores de Lencos, e existe um acessório para alguns modelos de toca-discos da americana VPI que transformam sua tração por correia em tração por polia. E, finalmente, ainda existem empresas “fabricando” o Garrard 301.
Como assim?!?
Um resumo dos últimos 60 anos: a Garrard Engineering and Manufacturing Company, depois de seu auge nos anos 50 e 60, entrou em declínio na década de 70 – em parte porque sua empresa mãe, a Plessey Company, não quis mais investir. Em 1979, a brasileira Gradiente, e usava bastante os toca-discos da marca, comprou a Garrard das mãos da Plessey e passou a fabricar na Zona Franca de Manaus. Depois do declínio e ‘fechamento’ da Gradiente, a marca foi licenciada para a empresa inglesa de máquinas de lavar discos Loricraft Audio que, por sua vez, foi comprada pela célebre fabricante de braços e toca-discos SME. Para completar o quadro, a SME é, desde 2018, uma subsidiária da Cadence Audio, a qual contém – entre outras empresas – Crystal Cable, Siltech Cables, SME e caixas acústicas Spendor.
A Garrard foi, então, reestruturada pela Cadence como ‘Garrard Turntables’, para produzir sob encomenda, e em série limitada, os ‘acessíveis’ 301 Classic e o 301 Advanced (esse por preços aproximados de 50 mil libras), ambos com braços SME atuais. A empresa obtém unidades usadas do 301 em bom estado, que são completamente recondicionadas e restauradas, tanto mecanicamente quanto visualmente, e são montadas nas novas bases Classic ou Advanced, e entregues ao comprador com uma dentre várias opções diferentes de braços SME – sendo que o Advanced costuma vir com um SME Series V de 12 polegadas.
Mas, os atuais ‘donos’ da marca não são os únicos a restaurar Garrards 301. A empresa americana Artisan Fidelity faz ‘novos’ 301 (e 401 também), com restaurações e modificações lindas – como o modelo Statement, uma verdadeira obra de arte – assim como faz peças para upgrade do prato e do rolamento do mesmo, para quaisquer 301 existentes.
A também americana Woodsong Audio, faz belas restaurações de 301, 401, e de Thorens 124, porém com visual mais tradicional que o da Artisan. A mesma coisa a Ampsandsound, só que com visual mais moderninho, porém despojado.
Só a máquina original do 301, em bom estado, sem base, sem braço e sem restauração, está chegando hoje a aproximadamente US$4.500, no mercado mundial de usados – para os que quiserem se aventurar a construir uma bela base – e há uma quantidade boa de ofertas sempre no mercado.
Suponho que a oferta será maior do que a demanda por 301, já que os preços hoje (em todas as suas versões de restauração) são os mesmos de uma série de toca-discos hi-end de alta estirpe – ou seja, são caros. E, ao que consta, a Garrard fabricou 75.000 deles! Ou seja, deve ter bastante deles circulando no mercado de usados, e até em algum ferro-velho.
E, falando em base: projetos ‘faça-você-mesmo’, assim como bases já prontas, feitas em MDF e outros, via CNC – e, se bobear, até em algum tipo de impressão 3D – são disponibilizadas na Internet. Basta procurar… Algumas são lindas, mesmo!
própria Woodsong vende bases prontas, assim como a Oswalds Mill faz a sua de ferro fundido (para até 2 braços!). Se procurarem, vão achar vários fornecedores, com umas bases mais bonitas e outras menos…
Se eu teria um Garrard 301? Olha, pelos preços praticados hoje, não. Se um cair do céu, pelas mãos algum Papai Noel ensandecido, aceito de bom grado! Agora, olhando sem ser pelo preço, apenas como toca-discos, eu diria que em uma base mista bem feita (usando camadas de madeira, metal e polímero), e com um bom braço moderno, certamente vai tocar muito bem!
Dúvidas sobre vinil? Mande-nos um e-mail em: christian@avmag.com.br.