

Fernando Andrette
fernando@avmag.com.br
Eis uma pergunta recorrente das turmas de nossos Cursos de Percepção Auditiva.
Muitos acham difícil usar vozes, pois acreditam que nosso cérebro, ao ouvir uma voz conhecida, já entra em modo automático, se concentrando muito mais na letra do que no timbre da voz.
E eu rebato essa conclusão com o seguinte argumento: você não sabe imediatamente se uma voz conhecida está constipada ou cansada por um dia exaustivo?
Então usar uma voz que apreciamos bem captada, pode ser excelente para avaliar Texturas, desde que saibamos o que desejamos procurar.
Eu as uso, principalmente, para buscar nuances de intencionalidade e técnicas vocais de modulação, e emoção.
“Isso também faz parte do quesito Textura, Andrette?”
Certamente que faz – a Textura não se restringe apenas a paleta de cores que define o timbre da voz ou dos instrumentos. Em sistemas hi-end corretos, você também irá extrair intencionalidades, que podem lhe surpreender a ponto de, quando você desconhece essa virtude, interpretá-la como um sistema que emociona e lhe toca mais profundamente, sem saber o motivo.
Algo difícil de mensurar objetivamente por meio de medições e que, no entanto, nosso cérebro não só detecta, como o interpreta e reage a ele.
Além de poder, em excelentes gravações, perceber as diferenças de microfones usados, posicionamento dos microfones e, até mesmo, se a escolha da reverberação digital usada na mixagem, foi assertiva ou passou do ponto.
E, quanto mais correto tudo estiver, mais seu cérebro irá aprovar, relaxar e curtir essa gravação.
É para isso que sistemas hi-end impecavelmente ajustados servem (ou deveriam servir), e não para ser um troféu no meio da sala.
Eu separei duas faixas de uma gravação recém-lançada – uma voz feminina.
Antes de descrever o que gostaria que vocês ouvissem em cada uma dessas duas faixas, pedirei que assistam os dois vídeos que escolhi, e se atentem aos microfones usados para gravar o piano (sutil mudança de posição desses microfones sobre o piano) e a alteração do microfone de voz (assim como também da posição deste em relação a cantora).
Será importante assistir antes de ouvir o disco, para que tentem memorizar esses detalhes enquanto escutam as duas faixas.
O importante é que a gravação no vídeo é a mesma do disco.
Isso ajudará muito entenderem o quesito intencionalidade e emoção, que a Yumi Ito deseja transmitir.
YUMI ITO – LONELY ISLAND (ENJA RECORDS, 2025)
Este é seu quinto trabalho, e diria que Yumi Ito finalmente chegou ao auge, tanto como cantora, quanto pianista e compositora.
Ela nasceu na Suíça, e vem ganhando espaço no cenário musical pela sua facilidade na improvisação vocal e de transitar livremente pelo jazz, erudito e pop, com a mesma desenvoltura e criatividade.
Seu timbre de voz é marcante, tanto pela sua técnica vocal, como pela capacidade de explorar temas tão contemporâneos como a solidão, o renascimento e a busca por respostas às crises incessantes que atravessamos, usando seu talento para emocionar e nos fazer refletir sobre questões tão cruciais.
Bem, iremos trabalhar as duas faixas das quais coloquei os vídeos: faixa 2 – Little Things, e a faixa 3 – Is It You.
Sugiro ouvirem na ordem, pelo menos cada faixa duas vezes, antes de passar para a outra.
Como todos já devem ter assistido a ambos os vídeos, já sabem o tamanho da sala de gravação, posicionamento dos microfones sobre o instrumento e a distância do microfone que está captando a voz de Yumi.
No sistema, sua voz deve estar recuada no meio das caixas, ela sentada (óbvio), mão direita soando as duas oitavas mais altas do piano na caixa direita, região média ao centro como sua voz, e mão esquerda quase dentro da caixa esquerda.
A introdução dará para ter uma ideia exata de como o engenheiro distribuiu o piano. Nessa introdução, a mão esquerda, na segunda oitava mais grave, ele deixou soando dentro da caixa. O que se repete em sua primeira parada, para um breve solo.
Agora nos concentremos na sua voz – observe as notas mais graves como são sustentadas e como muda completamente a modulação quando passa ao agudo, observe como a escolha correta de pouca reverberação digital na voz, ajuda a manter a intencionalidade e limpeza do seu belo e poderoso timbre.
Se o seu sistema permitir um foco e recorte cirúrgico, será possível até mesmo perceber seu movimento de cabeça, e como nas notas mais agudas ela se movimenta levemente mais para trás do centro, ampliando a profundidade da imagem.
É um exemplo em que podemos observar a capacidade de nosso sistema apresentar as sutis intencionalidades de sua voz, e de sua técnica vocal e pianística.
Em sistemas com boa apresentação de micro-dinâmica, podemos acompanhar o uso dos pedais do piano e ouvirmos ao fundo quando ela os aciona.
Vamos à faixa 3. Observe a breve introdução do piano, o mesmo instrumento, na mesma sala, com os mesmos microfones, no entanto um pouco mais para trás, buscando fazê-lo soar mais arejado.
Isso resulta em uma imagem sonora que é a soma do instrumento e da sala. Ficará bem claro quando ela explorar as duas pontas (mão esquerda os graves e mão direita os agudos).
Se não tivéssemos os vídeos para nos orientar, provavelmente cometeríamos o erro de achar que mudaram de microfones, ou colocaram mais reverberação, para este arejamento a mais no piano.
E vamos à sua voz – aqui a mudança do microfone trouxe significativas alterações também.
Observe que os ‘tiiis’ soam também com maior arejamento, e sua voz parece estar também misturada com a sala, e não tão intimista como na faixa anterior.
Aqui, arrisco dizer, que pelo fato da sala ser pequena, essa sensação na voz de mais ar seja uma alteração na escolha do reverb colocado para criar esse efeito.
E, novamente, sem as imagens poderíamos cometer o erro de achar que sua voz tem esse ‘respiro’ a mais por uma mudança de sala – e não de reverb e de microfone.
Você pode estar pensando, depois de assistir aos vídeos, ouvir as duas faixas no seu sistema e ler até aqui, que isso é muito difícil de entender, ou que seu sistema não consegue reproduzir essas nuances neste grau de fidelidade.
Ok, meu amigo, não se desespere e não me odeie.
Saiba apenas que seu cérebro irá apreciar se um dia você conseguir colocar essas informações no seu hipocampo, e torná-las memória de longo prazo.
Pois em uma oportunidade que você tenha de ouvir um ‘Hi-end Estado da Arte’, talvez você deseje ouvir esses dois exemplos, e se este sistema estiver realmente correto, observar tudo que aqui descrevi.
O importante é que você entenda que o quesito Textura na nossa Metodologia é a qualidade que determina você gostar do produto X e detestar o produto Y, ainda que muitos achem exatamente o oposto.
E quanto mais você tiver referências seguras do timbre dos instrumentos e vozes, mais seguro estará na hora de escolher e fazer seus upgrades.
Por isso damos tanta ênfase em irmos galgando passo a passo, iniciando nossa meta primeiro pelo Equilíbrio Tonal – a base de toda Metodologia – e observarmos que acertando o equilíbrio tonal, as Texturas são também beneficiadas como por osmose.
O que preciso que você entenda definitivamente é que, se não tiver o Equilíbrio Tonal acertado no seu sistema, não haverá mais nada correto.
Imagine a dificuldade de perceber esses dois exemplos deste mês, se o seu sistema tiver agudos pronunciados, nas passagens altas da cantora – o que irá ocorrer?
Ou em relação aos ‘tiiiis’ no segundo exemplo?
Ou, o contrário, graves inchados sem controle. O que ocorrerá com o piano e na sustentação das notas baixas de Yumi?
Ou sistemas onde predominantemente só se destaca a região média? As Texturas serão dramaticamente alteradas e seu cérebro procurará algo mais interessante para se divertir e relaxar.
Eu nesses longos anos de estrada, cansei de ver leitores desistindo do hobby por nunca chegar ao ‘porto seguro’, de sentar e se orgulhar de todo o trajeto feito e ouvir suas gravações com enorme prazer e satisfação.
Não cometer esse erro exige humildade em desejar aprender, e resignação em buscar ajuda quando necessário.
Pois todos que chegaram lá, sabem que sem Referência e Metodologia o caminho será muito mais íngreme e inseguro.
Espero que essas duas faixas os ajudem a descobrir o patamar em que seu sistema se encontra atualmente.
Uma dessas faixas mostrarei no nosso próximo Workshop Hi-End Show, justamente em sistemas distintos, para os participantes compreenderem o quanto este quesito é essencial para o ajuste de qualquer setup.
Boa sorte a todos!