Playlists: PARA TODOS QUE RECLAMAM QUE NÃO EXISTE O NOVO E CRIATIVO

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Fernando Andrette
fernando@avmag.com.br

Um querido amigo me enviou recentemente um artigo mostrando a resistência que as pessoas desenvolvem em descobrir e apreciar novos estilos musicais após os trinta anos.

Eu tenho muitas ressalvas à generalizações através de pesquisas com um número reduzido de participantes. Pois acredito que se o ser humano é capaz de aprender e desenvolver novas habilidades por toda sua existência, a música não me parece ser um objetivo intransponível, se assim a pessoa desejar.

Acho que o comodismo, ou uma relação com a música meramente de entretenimento, é que estabelecerá seu interesse por ampliar ou não seu universo musical, através de toda sua trajetória evolutiva.

Pois sim, eu creio firmemente que a música, assim como a literatura, pode nos ajudar consistentemente a nos tornar mais empáticos e sensibilizados com as questões humanas realmente prioritárias.

Tanto que a escolha dos discos indicados mensalmente nessa seção, tem como principal critério ‘instigar’ vocês a pelo menos se interessarem em escutar, que seja pelo lado puramente técnico da gravação (para o ajuste de seus sistemas, por exemplo), mas sempre na esperança de também ampliar seu universo musical.

Uma reclamação recorrente que escutei no Workshop Hi-End Show deste ano, é a baixa qualidade da música atualmente apresentada. E minha resposta a todos foi: você está procurando corretamente?

Pois nunca antes, em momento algum, tivemos à nossa disposição uma biblioteca musical tão vasta e diversificada.

Quem tem mais de 40 anos, sabe a saga que era descobrir novos estilos musicais, novos intérpretes, as melhores versões de obras que admiramos, novos cantores. Dependíamos da generosidade dos lojistas em nos mostrar os lançamentos da semana, de amigos com um vasto conhecimento musical e uma discoteca dos sonhos, ou de alguns programas de rádio específicos que nos mostrassem algo arrebatador.

Quando explico aos meus filhos como era tortuoso garimpar ‘grandes discos’, conto a eles como descobri o pianista Keith Jarrett e seu famoso álbum solo – The Koln Concert – de 1975.

Havia chegado da escola, estava jantando e liguei o rádio baixinho para acompanhar um programa de jazz que ia ao ar a partir das 23 horas, em uma emissora AM de São Paulo, quando o locutor anunciou que mostraria naquele dia o primeiro disco do The Koln Concert e, na outra quinta, o segundo disco.

Ainda que em uma transmissão precária, em mono em um surrado rádio Telefunken, fui arrebatado pela primeira parte do concerto.

Anotei em um pedaço de papel o nome do pianista (completamente errado) e, no outro dia, saí à busca daquele disco.

Meu amigo, você não tem a menor ideia da saga que foi conseguir um exemplar. Nem os lojistas amigos da Brenno Rossi ou da Bruno Blois, haviam recebido ou conheciam o disco – e tampouco o pianista.

Resumindo essa odisseia, só consegui meu exemplar no início de 1976. E tenho o mesmo exemplar até hoje, e o ouço com uma certa frequência em meus momentos de folga. Pois gosto de ouvir o Concerto todo, e não apenas a primeira parte, que foi através dos anos consagrada, e mudou a trajetória deste impressionante pianista.

Hoje tudo está ao alcance dos nossos dedos, então é apenas uma questão de aliar interesse, curiosidade e buscar por gravações e músicos incríveis que estão à espera de reconhecimento e apoio.

E um desses músicos, meu amigo, se chama Abel Selaocoe, um violoncelista sul-africano que, além de virtuose em seu instrumento, canta e compõe. Suas apresentações são contagiantes, seja tocando em pequenos grupos ou como solista de obras sinfônicas.

Ele começou a aprender violoncelo com seu irmão mais velho, em Soweto, e logo conseguiu uma bolsa do conservatório do St. John’s College, até iniciar sua carreira, se mudar para Londres e aprimorar seus estudos no Royal Northern College of Music, em Manchester.

Em 2022, a gravadora Warner lançou seu primeiro trabalho – Where is Home / Hae Ke Kae – que ganhou inúmeros prêmios, tanto na categoria de solista, como de música clássica e de worldmusic.

Quando o amigo ouvir esse primeiro trabalho de Abel Selaocoe, entenderá a dificuldade dos críticos em determinarem qual a melhor categoria para definir seu trabalho. Pois Abel deixou claro à gravadora Warner que não aceitaria apenas gravar repertório clássico.

Nos dois discos que lançou até agora, o ouvinte terá a oportunidade de viajar por um repertório amplo, como Abel programou para se apresentar ao mundo, em seus concertos ao vivo, presenteando a platéia com uma composição solo barroca de Bach, seguida de um canto tribal sul-africano.

Felizmente, com esses dois discos, temos a oportunidade de entender o quanto é vasta e sublime sua formação musical, e com que grau de sinceridade e verdade ele se entrega ao que acredita. Não é possível ouvi-los friamente, meu amigo, ou como pano de fundo enquanto realizamos outras atividades ou apenas por curiosidade.

Pois sua música nos fala diretamente ao coração, convidando-nos a recuperar memórias antigas há muito esquecidas em algum canto escuro de nossa mente. Acredite você ou não, ele expressa em sua música a ancestralidade de todos nós.

Quer um exemplo do que estou tentando descrever?

Por favor, sente, desligue seu celular, se certifique que não será chamado por nenhum familiar, e ouça a faixa 1 – Ibuyile I’Africa – do seu primeiro disco, Where is Home / Hae Ke Kae.

OUÇA WHERE IS HOME / HAE KE KAE – ABEL SELAOCOE, NO TIDAL.

Se fizer essa audição com a reverência que dedicamos a uma apresentação em uma sala de concerto, garanto que você ouvirá em total silêncio o disco todo.

E se ele tocar você, como tocou a todos que tive a oportunidade de mostrar, garanto que você desejará continuar essa descoberta musical, por seu álbum lançado no início de 2025, Hymns of Bantu.

OUÇA HYMNS OF BANTU – ABEL SELAOCOE, NO TIDAL.

Esse segundo trabalho é tão impressionante quanto o primeiro. Novamente ele nos mostra todo seu amplo universo musical, com arranjos sinfônicos ainda mais elaborados e complexos.

Para ter uma ideia exata da viagem musical, inicie-o por favor pela faixa 1 – Tsohle Tsohle, e garanto que irá desejar ouvir o disco todo também.

Em um sistema bem ajustado, é possível avaliar inúmeros quesitos como: Equilíbrio Tonal, Texturas, Corpo Harmônico, Transientes e Dinâmica.

Se você não gostar da obra artisticamente, mas quiser fazer um ‘pente fino’ no seu setup, eis duas gravações primorosas.

Ou seja, duas gravações que podem ampliar seu gosto musical e, ainda de tabela, servir para uma avaliação de todos os quesitos da nossa Metodologia.

Aceita o desafio?

Espero que sim, pois tanto artisticamente quanto tecnicamente, são gravações que nos falam ao coração e à razão!

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